A era da Covid-19 é um exemplo prático – e muitas vezes doloroso – de que cada organismo reage de maneira diferente diante da mesma doença. Talvez a experiência reforce a importância da medicina personalizada ou de precisão, aquela que avalia, além das informações convencionais – como sintomas, histórico pessoal e familiar e exames clínicos – a genética de cada indivíduo. A medicina de precisão ganha força porque patologias – principalmente as cardiovasculares – se desenvolvem devido à interação da genética com fatores múltiplos associados à forma como vivemos.
Em alguns casos, a hereditariedade determina a doença, mas, em geral, a predisposição dependerá de outros parâmetros, que contribuirão para definir se ela será mais ou menos grave e se responde a este ou aquele tratamento.
Este novo olhar quebra paradigmas porque supera limitações da medicina tradicional, que pressupõe que aqueles com a mesma patologia compartilham as mesmas características. Atualmente, intervenções terapêuticas se baseiam em efeitos médios observados em milhares de pacientes, e não em uma pessoa especificamente.
Mas as tecnologias que avaliam o material genético e outros biomarcadores avançam assim como o entendimento de que o estilo de vida tem influência relevante: hábitos alimentares, padrões de atividade diária e de sono, tipo de trabalho, exposição ao estresse são alguns exemplos.
Outro fator que colabora para a análise individualizada proposta pela medicina de precisão é a capacidade crescente de coleta e análise de um grande número de dados. O chamado Big Data cria novas oportunidades para entender como a rotina de cada um pode cooperar para o aparecimento de doenças.
Essas informações chegam do relógio de pulso, que agora também monitora o número de passos por dia, o ritmo cardíaco, a glicemia e a pressão arterial, e até do cartão de crédito, que evidencia padrões de compra (alimentos, bebidas, remédios, etc.).
A medicina de precisão respalda o diagnóstico e a escolha da melhor terapia, tornando a relação médico-paciente mais assertiva. Dessa forma, a saúde massificada pela média perde espaço para procedimentos mais precisos e, principalmente, mais humanizados, que colocam o paciente no centro da conduta, como persona e não mais como um número.
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Pontos fora da curva
Falando especificamente do coração: por que existem pessoas que têm fatores de risco para serem cardiopatas – obesidade, hipertensão, dislipidemias – e passam pela vida sem eventos cardíacos? E por que outras, aparentemente saudáveis, infartam?
Algumas das respostas para essas questões podem estar justamente no estudo da genética. A cardiologia de precisão procura entender, cada vez mais, esse processo para também encontrar soluções sob medida. Certamente teremos muitas novidades nos próximos anos.
*Marcelo Franken é cardiologista, Gerente do Programa de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. José Eduardo Krieger é professor de genética e medicina molecular no InCor-HC-FMUSP, membro da Academia Brasileira de Ciências e pró-reitor de Pesquisa da Universidade de São Paulo (2014-2018)