Quando falo em neurodivergência, fico sempre na dúvida sobre o que a sociedade realmente sabe e o que todos precisam aprender para termos um mundo menos capacitista e principalmente excludente.
Aos 32 anos, me tornei mãe. Como qualquer mãe, eu estava cheia de sonhos e expectativas sobre essa nova fase. Em 2007, minha filha nasceu e trouxe muita alegria para nossas vidas.
Mas, quando minha filha completou 7 anos, as diferenças se tornaram significativas em seu comportamento em relação a outras crianças. Isso nos levou a uma jornada desafiadora de investigações neuropsicológicas, que culminou com três diagnósticos: TOD (transtorno opositor desafiador), atraso global do desenvolvimento e retardo mental leve.
Para quem não sabe, o TOD é mercado por uma perda da calma fácil e frequente, por discussões intensas com adultos, pelo desafio a quaisquer regras e por aí vai.
O diagnóstico dessa condição em minha filha mudou radicalmente nossas vidas. Passamos a viver em um mundo onde as demandas diárias eram tão intensas que quase não sobrava espaço para cuidar de nós mesmos.
Eu sabia que precisava ser forte e aprender mais sobre o que minha filha estava enfrentando para poder apoiá-la da melhor maneira possível. A decisão de buscar conhecimento e ser coterapeuta da minha filha se mostrou fundamental.
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Parece até simples, lendo o parágrafo anterior, conseguir essa força para se tornar coterapeuta, mas eu experimentava sensações muito difíceis, pois tudo o que lia e ouvia eram determinismos de incompetência, vulnerabilidade, desenvolvimento capacitista e sofrimento.
Foram anos vivendo entre o “eu dou conta” e o “eu não sei o que precisa ser feito”. Para ser ainda mais sofrido, uma sociedade inteira me julgava como uma mãe incompetente, permissiva e negligente.
Ao mesmo tempo em que essa sociedade dizia: sua filha é uma criança comum como as outras e você só precisa aprender a educá-la, paradoxalmente a mesma sociedade apontava os dedos para julgar moralmente os comportamentos desafiadores dela e, orientava que seus filhos perfeitos se afastassem desse indivíduo cheio de problemas “influenciáveis”.
Cuidar de uma criança neurodivergente é um trabalho árduo. É preciso equilibrar inúmeras responsabilidades, cada uma girando em um prato que mal conseguimos manter em movimento. Há o prato da terapia, das consultas médicas, da escola, dos amigos, da família e, claro, o nosso próprio prato, que quase sempre é deixado de lado para evitar que outros caiam.
A falta de apoio, informação e compreensão amplia esse desafio. Encontrei poucas mãos estendidas para me ajudar, e aquelas que estão dispostas a ser apoio muitas vezes não entendiam a complexidade de nossas vidas.
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Decidi que a culpa que eu carregava ficaria guardada em uma caixa bem fechada e que a responsabilidade seria meu norte para toda e qualquer situação a ser vivida. Minha prioridade passou a ser acolher e ajudar minha filha do jeito que ela é. Eu abandonei o sonho da engenharia do conserto de filhos, para ser a design de interiores materna.
Eu ajudei e ajudo minha filha a organizar seus pensamentos, sentimentos e emoções. Eu trabalho dia após dia para que ela seja quem ela é, que ela saiba de todo seu potencial e que ela possa ocupar seu lugar no mundo.
A sociedade foi treinada e estruturada para reconhecer a neurodivergência como algo deficiente, com pessoas que possuem limitações, seja social, profissional ou acadêmico.
Crianças e adolescentes neurodivergentes chegam a ser invalidados quanto às suas queixas emocionais por não darem conta das demandas impostas pelos padrões da normalidade. Existem, sim, limitações em diversos níveis e situações, porém existem potenciais e habilidades únicas que se tornam invisíveis quando o determinismo do fracasso se sobrepõe nesses indivíduos.
É preciso naturalizar a neurodivergência para que o caminho fique mais tranquilo e respeitoso na caminhada dessas famílias. Precisamos abrir espaço para diálogos francos e oferecer um ambiente seguro para que essas famílias expressem seus sentimentos sem medo de julgamentos
Repensar o modelo da neurodivergência e enxergá-lo a partir de novas lentes é urgente. Se como sociedade estamos caminhando na validação da diversidade de gênero, raça, sexo, religiosidade e cultura, incluir a neurodiversidade também é fundamental para o respeito com o ser humano.
O caminho aqui é reconhecer as necessidades singulares de pessoas neurodivergentes, para que possamos fortalecer todo seu potencial, além do fato de tornar mais leve suas dificuldades, apoiando um manejo humanizado, respeitoso e acolhedor.
Compreender o funcionamento complexo daqueles que não se enquadram nos padrões convencionais é um caminho que exige esforço, mas é essencial para reduzir o sofrimento e promover o desenvolvimento.
O caminho para uma vida neurodivergente mais saudável começa com a empatia, acolhimento e compaixão, e cabe a todos nós contribuir para um futuro em que as famílias atípicas encontrem compreensão e solidariedade. Se o mundo fosse predominantemente composto por pessoas mudas, certamente os poucos que falassem estariam em desvantagem ou desconfortáveis com o silêncio. Nesse sentido, vale refletir se a dificuldade em conviver com a neurodivergência está no indivíduo ou na sociedade?
Meu convite está em encorajar você a enxergar o mundo fora dos padrões normais da sociedade e compreender as demandas sobre os aspectos de saúde mental. Se ficarmos no lugar de solucionar os “problemas dos neurodivergentes” baseados em nossas perspectivas, sem considerar as necessidades reais dessas crianças e adolescentes, certamente iremos nos desviar para o lugar do capacitismo.
A neurodivergência nos convida todos os dias a sermos pessoas melhores neste mundo.
*Andreia Rossi, educadora parental, psicopedagoga e mãe de uma adolescente com transtorno opositor desafiador (TOD)