Uma das cenas rotineiras após a irrupção da Covid-19 — que colocou milhões de pessoas para trabalhar em casa — é o indivíduo que fica com o notebook no colo, às vezes por longas horas. No Brasil, são 8,2 milhões de trabalhadores em home office, 43,9% deles homens, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Só que esse hábito não é inofensivo. O computador portátil no colo gera calor e faz aumentar a temperatura dentro da bolsa escrotal. E o índice térmico recomendado para os testículos conseguirem produzir os espermatozoides é de, no mínimo, 2 graus abaixo da temperatura corporal.
Pesquisas indicam que o aquecimento excessivo na região pode afetar a qualidade e a quantidade dos gametas masculinos, causando danos no DNA dessas células. Como resultado, a fertilidade é atingida.
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Para evitar esses prejuízos, a orientação é que os homens se levantem e se exercitem, não ficando tantas horas numa mesma posição. Deve-se também organizar um local de trabalho adequado em que os dispositivos que geram calor fiquem sobre uma mesa ou escrivaninha — e as pessoas estejam sentadas e não coladas a esses equipamentos. O uso no colo não é recomendado, até mesmo por não ser uma posição ergonômica para trabalhar.
Aliás, esse hábito não é o único a elevar a temperatura dos testículos e atrapalhar os espermatozoides. Saunas e banheiras superaquecidas também podem prejudicá-los. Profissões e atividades que expõem os homens ao aquecimento da bolsa escrotal oferecem o mesmo risco — isso se aplica a ciclistas, motoristas e pilotos de aeronave.
Estudos recentes sugerem um decréscimo na qualidade do sêmen nas últimas décadas, num fenômeno que vem ocorrendo globalmente. Acredita-se que uma série de fatores ambientais relacionados ao estilo de vida estejam associados a esse problema, como obesidade, sedentarismo, alimentação, uso de álcool e fumo. O aumento de peso, por exemplo, traz alterações metabólicas que diminuem os níveis de testosterona e também resulta em maior temperatura da bolsa escrotal.
Igualmente, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como a clamídia, podem provocar infertilidade. As epididimites (infecção do canal que armazena os espermatozoides) e outros processos inflamatórios interferem da mesma maneira na qualidade dos gametas, devendo ser rastreadas e tratadas.
Para tanto, os homens precisam fazer exames periódicos e reavaliar fatores de risco para sua fertilidade, assim como as mulheres, que se consultam rotineiramente com o ginecologista.
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Cada vez mais, o atendimento preventivo começa a integrar a linha de cuidados dos pacientes masculinos, principalmente quanto à paternidade e à otimização da fertilidade.
No Centro de Fertilidade do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, cerca de 40% dos casais que procuram o serviço encontram algum fator associado relacionado ao homem durante a investigação das causas de infertilidade. Por muito tempo, esses problemas eram atribuídos basicamente à mulher, dispensando-se exames como o espermograma.
Hoje, 40% das causas de infertilidade estão relacionadas ao sexo masculino, 40% ao feminino (um exemplo é a endometriose) e 20% estão ligadas a problemas hormonais ou, até mesmo, um mix que une ambos os gêneros.
Portanto, quando usar seu notebook, lembre-se de que ele também pode impactar sua saúde reprodutiva. Ao fazer essa reflexão, reveja outros hábitos que merecem ser alterados, em benefício do seu bem-estar e do desejo de constituir uma família.
* Isabel de Almeida é médica e coordenadora do Centro de Fertilidade do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre