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População negra sofre com acesso desigual ao tratamento do câncer

Uma especialista revela os diferentes motivos por trás desse fato - e o que devemos fazer para minimizar o problema

Por Dra. Ana Amélia Almeida Viana, oncologista*
17 jul 2022, 17h12
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  • Nos Estados Unidos, 13,4% da população se autodeclara negra. Um percentual significativamente menor do que no Brasil, mas sobre o qual se produz cada vez mais dados para explicar o processo de adoecimento e impactos do câncer.

    A cada 3 anos, a American Cancer Society (ACS) estima o número de novos casos de câncer e mortes de pessoas negras nos Estados Unidos. Ela compila os dados mais recentes sobre incidência, mortalidade, sobrevida, rastreamento e fatores de risco usando dados populacionais do National Cancer Institute e dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

    Resultado: os afro-americanos têm maior mortalidade do que qualquer outro grupo étnico-racial para a maioria dos cânceres (e também outras causas de morte, doenças cardíacas, acidente vascular cerebral e diabetes). Essas disparidades são impulsionadas pelo menor nível socioeconômico associado a uma maior prevalência de fatores de risco para câncer e outras doenças, bem como menor acesso a cuidados de saúde de alta qualidade. E tudo isso envolto em uma perspectiva histórica do racismo estrutural.

    Durante os últimos cinco anos, os homens negros dos Estados Unidos apresentaram uma incidência global de câncer 6% maior, e mortalidade 19% maior do que os homens brancos. Já as mulheres negras têm uma incidência global de câncer 8% menor do que as brancas, mas uma mortalidade 12% maior.

    +Leia também: Câncer: notícias do front

    Além disso, as taxas de mortalidade são duas vezes maiores para o câncer de endométrio e 41% maiores para o câncer de mama. Em relação a esse último, a grande disparidade reflete uma menor capacidade de diagnóstico em estádios iniciais (57% em negras versus 67% em brancas) e uma menor sobrevida em 5 anos (82% vs 92%, respectivamente).

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    Outro dado preocupante e recentemente destacado na ASCO 2022, o mais importante congresso de Oncologia mundial, é a baixa representatividade da população negra em ensaios clínicos, limitando o acesso deste grupo aos avanços nos tratamentos, mas também o entendimento do seu funcionamento neste grupo étnico-racial. Pacientes com câncer de próstata por exemplo, representam apenas  4,4 % dos participantes em ensaios clínicos mesmo esta patologia sendo 76% mais incidente em negros.

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    Esses dados se repetem no Brasil?

    Provavelmente, sim! Mas não sabemos.

    Indicadores demonstram que as categorias raciais predizem, de forma importante, variações na mortalidade em geral. Por exemplo: os níveis de mortalidade materna e por doenças cerebrovasculares são mais elevados entre mulheres pretas brasileiras. 

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    Mas as desigualdades étnico-raciais têm sido pouco investigadas no âmbito da saúde. Até fevereiro de 2017, o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários do SUS nem era obrigatório, o que comprometia a compreensão do problema.

    E vale ressaltar que, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), entre 2012 e 2019, 56,2% da população brasileira é negra, considerando-se como tal pretos e pardos. Em muitas cidades, esse percentual é ainda maior. Em Salvador (BA), somos 82,1% (36,5% autodeclarados pretos e 45,6%, pardos).

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    Na oncologia, nossos dados de incidência e mortalidade não são apresentados segundo essa estratificação de raça. Apenas em 2020 um estudo da Faculdade de Medicina da UFMG, com base em dados do SUS em âmbito nacional, indicou que a sobrevida de mulheres negras em casos de câncer de mama é até 10% menor do que entre mulheres brancas. 

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    O levantamento, que integra o projeto de doutorado da farmacêutica Lívia Lovato Pires, sugere que um dos principais motivos é o diagnóstico tardio.  Outro dado relevante é que, no SUS, 50% das mulheres negras avaliadas residiam nas áreas censitárias de mais baixa renda, contra 35% das mulheres brancas.

    Apesar de todas essas dificuldades, o interesse pelo tema cresceu. É imperioso desvendarmos (para os que ainda não tiraram dos olhos a venda da democracia racial brasileira) e enfrentarmos esta realidade.

    Assim como nos Estados Unidos, onde as estatísticas geraram políticas públicas que hoje refletem queda progressiva nas curvas de mortalidade por câncer entre afro-americanos, nós também precisamos de conhecimento e organização para o enfrentamento dessa questão tão abrangente e complexa. Conhecimento que gera lucidez e consciência! Mas como diz Luciene Nascimento, poeta e advogada baiana:

    “O caminho da consciência é lugar de desassossego (…)”

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    Que estejamos dispostos a nos desassosegar!

    *Dra. Ana Amélia Almeida Viana é associada titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) em Salvador (BA); membro da American Society of Clinical Oncology (ASCO); e oncologista clínica na Rede D´Or Bahia e no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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