Desde 2008, comemora-se o Dia Mundial das Doenças Raras em 29 de fevereiro, exatamente porque é uma data “rara”. Nos anos não bissextos, como em 2023, essa data é celebrada em 28 de fevereiro, mas mantém o objetivo: conscientizar sobre a existência desse diverso grupo de doenças.
O FDA (Food and Drug Administration) foi o primeiro órgão a reconhecer, em 1983, o grupo de doenças raras (na época, “doenças órfãs”, sem terapêutica destinada a elas) a partir do “Ato das drogas órfãs”, que visava facilitar o desenvolvimento de medicamentos para tais doenças.
Hoje, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como rara qualquer doença que acometa até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Mas esse conceito ainda não é consenso. A União Europeia e a NORD (National Organization for Rare Disorders), por exemplo, consideram a proporção de 50 casos para cada 100 mil, diferente da OMS.
Cabe destacar também que as classificações das doenças baseadas em números podem variar ao longo do tempo, com o avanço da medicina.
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Um exemplo é a doença celíaca (ou intolerância ao glúten): há algumas décadas ela era considerada rara e com manifestações graves. Entretanto, com o surgimento de exames mais acurados, o diagnóstico foi potencializado e a doença se tornou “comum”.
Prevalência mundial
Baseados no Orphanet, um banco de dados europeu, pesquisadores estimaram, em 2020, que até 5,9% da população mundial (ou 446 milhões de pessoas) tenha alguma das mais de 7 mil doenças consideradas raras.
Uma vez que 72% desse total é de origem genética, grande parte delas é exclusiva da faixa etária até 12 anos de idade.
A herança genética também ajuda a explicar por que algumas são mais evidentes em pequenas etnias com alta taxa de consanguinidade (como exemplo, a doença de Gaucher, em judeus asquenaze).
A situação no Brasil
Extrapolando os dados europeus no Brasil, a estimativa é de até 12,2 milhões de pessoas com alguma doença rara por aqui.
Por essa razão, em 2014, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, criando as bases para a formação da Rede Brasileira de Doenças Raras.
Embora os dados na área sejam ainda incipientes, o grupo publicou, em 2022, a primeira estimativa epidemiológica de 13 doenças raras, baseada no DATASUS, apontando cerca de 55 mil indivíduos.
Numericamente, fica claro o desafio a percorrer para amparar outras milhões de pessoas.
Praticamente todas as áreas da medicina possuem quadros representantes dentro das doenças raras, mostrando a importância do acompanhamento multidisciplinar desses pacientes.
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A Reumatologia é uma especialidade única nesse sentido, uma vez que a maior parte das doenças que atende podem ser consideradas raras.
Há enfermidades com exames diagnósticos direcionados (por exemplo, doença de Lyme) e outras cujo diagnóstico é baseado exclusivamente em dados clínicos (como a síndrome de Schnitzler).
Outras são de causa monogênica (causadas pela presença de um gene alterado, como a osteogênese imperfeita) versus poligênicas (causadas por múltiplos genes) em um contexto ambiental propício (como o lúpus eritematoso sistêmico).
Há ainda exemplos com descrição médica recente (como a doença relacionada à IgG4) comparados a outras descritas há várias décadas (por exemplo, dermatopolimiosite).
Raras dentro das raras
Recentemente, vem ganhando espaço um subgrupo composto por doenças raríssimas com poucos casos relatados.
São as doenças imunorreguladoras primárias, sendo cada uma nomeada de acordo com a alteração molecular identificada por métodos modernos de diagnóstico genético.
Esse grupo compreende, atualmente, 154 doenças, com uma média de oito novas síndromes descritas por ano nos últimos 10 anos. Um verdadeiro desafio diagnóstico para qualquer médico!
Além da dificuldade de identificação pelos médicos, há outros complicadores na jornada desses pacientes: acesso aos exames, geralmente realizados apenas em centros de referência; custo elevado para diagnóstico e tratamento, nem sempre contemplados pelo serviço público de saúde ou disponíveis em território nacional; e carência de profissionais especializados na área.
Em termos de saúde pública, é válida a discussão de como equalizar a conta entre oferecer serviços de qualidade para as doenças comuns e destinar recursos às pessoas com doenças raras.
O desafio é continuarmos com as doenças raras, mas não órfãs. E é exatamente essa a conscientização que o dia 28 de fevereiro busca nos trazer.
*Sandro Perazzio é reumatologista, membro da Sociedade Paulista de Reumatologia, professor afiliado da Disciplina de Reumatologia – Universidade Federal de São Paulo, médico assistente-Doutor do Setor de Imunologia do Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador da Comissão de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Reumatologia