Descoberta brasileira pode transformar o tratamento de lesões no joelho
Ligamento oblíquo anterior foi descrito pela primeira vez por pesquisadores paulistanos, e intervenções nele podem melhorar a instabilidade do joelho

No universo da ortopedia esportiva, o joelho é, sem dúvida, uma das articulações mais estudadas — e também uma das mais afetadas em lesões decorrentes da prática física.
Nos últimos anos, grandes esforços têm sido dedicados ao entendimento da instabilidade rotacional do joelho, especialmente aquela que persiste mesmo após a reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA), uma das cirurgias mais realizadas entre atletas.
Foi justamente nesse contexto que, em 2020, iniciamos um projeto que resultaria em uma descoberta potencialmente transformadora: o ligamento oblíquo anterior (AOL).
Durante estudos anatômicos realizados na Santa Casa de São Paulo, com mais de 35 dissecações em joelhos de pacientes que haviam sido amputados por causas vasculares, minha equipe e eu observamos repetidamente uma estrutura ainda não descrita na literatura médica.
A posição e a forma dessa estrutura chamaram nossa atenção, e depois de muitas análises, constatamos ter encontrado um novo ligamento, com potencial de resolver um dos maiores problemas enfrentados por pacientes com instabilidade no joelho — a dificuldade em controlar movimentos de rotação do joelho, que pode continuar mesmo após uma cirurgia do LCA.
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A principal implicação clínica do AOL é estabilizar o movimento de rotação externa da tíbia (a parte inferior da perna), ajudando a controlar a instabilidade rotacional anteromedial (perda de controle do movimento do joelho para frente e para dentro), fator importante de falha em reconstruções isoladas do LCA.
Desenvolvemos um algoritmo cirúrgico, com base em testes específicos, que ajuda os médicos a decidir quando a reconstrução do AOL deve ser feita junto com a reconstrução do LCA. Quando bem indicada, pode trazer melhores resultados no médio e longo prazo.
Desde 2020, mais de 200 cirurgias combinando a reconstrução dos dois ligamentos já foram feitas. A primeira série de pacientes, acompanhada por pelo menos dois anos, deve ser finalizada em breve e os resultados iniciais são bastante positivos.
Reconhecimento internacional
Mais de 10 artigos científicos internacionais já foram publicados, incluindo análises anatômicas, exames de imagem e estudos clínicos. Um dos marcos foi a publicação do principal estudo sobre o AOL na conceituada revista Orthopaedic Journal of Sports Medicine, em 2024. Também foi demonstrado que esse novo ligamento pode ser visto em ressonâncias magnéticas, com métodos confiáveis.
Essa descoberta não passou despercebida. A técnica de reconstrução do AOL está sendo adotada por centros cirúrgicos em vários países, e grupos de pesquisa de lugares como os Estados Unidos, Itália, Chile e Argentina já estão colaborando conosco.
A comunidade científica internacional tem reconhecido a importância desse novo ligamento, e isso abre novas possibilidades para melhorar o tratamento de lesões no joelho.
O futuro das pesquisas e o impacto para os pacientes
Nos próximos passos, realizaremos mais estudos controlados, utilizando peças cadavéricas, para entender ainda mais o papel do AOL e refinar as técnicas cirúrgicas. Estamos otimistas com os resultados, mas também sabemos que temos desafios pela frente, como o financiamento e a estrutura necessária para expandir as pesquisas.
A ciência tem o poder de transformar, e é isso que estamos buscando: um avanço que não apenas contribui para a qualidade de vida de quem sofre com problemas no joelho, mas para a medicina como um todo.
*Pedro Baches Jorge é especialista em cirurgia do joelho, diretor da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte (SBRATE) e líder da equipe de pesquisadores brasileiros responsável pela descoberta do Ligamento Oblíquo Anterior (AOL). Atua no Hospital Sírio-Libanês e na Santa Casa de São Paulo