A Covid-19, doença causada pela novo coronavírus (Sars-CoV-2), expôs limitações dos sistemas de saúde em países de todos os níveis de renda. A escassez de recursos médicos e remédios essenciais implica escolhas difíceis e uma reconfiguração dos serviços existentes, com base em diretrizes éticas, para garantir tratamento e atendimento humano e respeitoso.
Regras justas e claras para a alocação de recursos escassos, como ventiladores, equipamentos de proteção individual (EPI) e medicamentos, são essenciais. Muitos países têm grande dificuldade em localizar novos recursos humanos e financeiros para pessoas com coronavírus e para manter padrões de atendimento adequados a pacientes com outras necessidades. Na falta de recursos, quem receberá o que? Essa é uma pergunta delicada, mas necessária.
Diante desse cenário, a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), junto com outras sociedades médicas, elaborou um documento solicitando um posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre os desafios bioéticos que serão enfrentados durante a pandemia. O documento aborda os princípios éticos e as regulamentações para atuação dos médicos no Brasil. Além disso, apresenta recomendações para triagem e oferta de cuidados paliativos para os pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de Covid-19.
Os cuidados paliativos são essenciais para fornecer apoio físico, psicossocial e espiritual para pacientes, familiares e profissionais. De acordo com um posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2015, “os cuidados paliativos são uma responsabilidade ética dos sistemas de saúde e […] é dever dos profissionais de saúde aliviar a dor e o sofrimento, sejam físicos, psicossociais ou espirituais, independentemente de a doença ou condição poder ser curada […]. Os cuidados em fim de vida dos indivíduos estão entre os componentes críticos dos cuidados paliativos”.
Como equipes, medicamentos e equipamentos necessários para os cuidados paliativos podem se tornar recursos escassos em condições de pandemia, devem ser desenvolvidas regras cristalinas e equilibradas para sua alocação. Tais desafios exigem altos níveis de solidariedade e integridade pessoal, social e institucional.
Idealmente, os cuidados paliativos devem ser fornecidos a todos os pacientes que precisam deles, independentemente do prognóstico. E são eticamente imperativos para indivíduos que não são elegíveis a intervenções de suporte artificial de vida (tratamentos que ajudam o corpo a aguentar os efeitos do coronavírus enquanto ele mesmo se recupera).
Os princípios éticos a serem considerados na hora de tomar decisões tão complexas são:
• Não abandono
• Respeito pelas pessoas
• Autonomia
• Reciprocidade
• Confidencialidade
• Cuidados com toda as pessoas
• Justiça
As pessoas idosas, frágeis e/ou com doenças crônicas ou graves correm maior risco de complicações pelo novo coronavírus. Essas são as principais populações de pacientes em cuidados paliativos.
Nesse contexto, os objetivos principais dos cuidados paliativos — qualidade de vida, controle impecável de sintoma, planejamento avançado dos cuidados e apoio aos entes queridos — nunca foram tão importantes.
*Dr. André Junqueira é geriatra, paliativista e presidente da ANCP