As mídias sociais podem possibilitar a distribuição democrática da informação, o que favorece múltiplas formas de expressão e gera conexões ágeis na esfera profissional e pessoal. No entanto, seu uso disfuncional tem se tornado, lamentavelmente, um lugar comum nos últimos tempos.
Ataques em escolas que, de alguma forma, são inspirados ou estimulados por usuários dessas redes; ações massivas contra celebridades ou pessoas comuns, em julgamentos morais sem qualquer espaço ao contraditório, nos chamados “cancelamentos”; disseminação de notícias deliberadamente falsas e desinformação para obtenção de dividendos eleitorais. Infelizmente, todos já ouviram falar de uma ou mais situações com essas características.
No Congresso Nacional, o projeto de lei que propõe a regulação das plataformas digitais por onde circulam essas informações torna obrigatória a moderação do conteúdo publicado na internet de modo que condutas consideradas irregulares possam ser identificadas, sinalizadas ou excluídas. E a responsabilidade por esse “detox” passa a ser das próprias plataformas, que deverão zelar pelo que é entregue aos usuários por meio de seus algoritmos.
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Se, por um lado, as redes sociais são enormes fontes de tristeza, dor e ódio – pois se beneficiam da circulação de notícias falsas, campanhas de desinformação e da polarização política –, por outro, é possível encontrar formas mais saudáveis de prender a atenção de quem as utiliza. Informação de qualidade pode dar ibope.
Estudos conduzidos por pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, em colaboração com Redes da Maré e Fiocruz, mostraram que a tecnologia pode ser uma importante aliada nos cuidados com a saúde mental, principalmente de jovens. E, em um cenário de reduzido acesso a profissionais capacitados na promoção dessa necessidade, ela se torna crucial para garantir um pouco de conforto e bem-estar, especialmente para quem vive em contextos de maior vulnerabilidade.
Vale lembrar que, segundo a Organização Mundial da Saúde, 970 milhões de pessoas sofrem de distúrbios mentais em todo o mundo, sendo que 82% delas vivem em países de baixa e média renda. Além disso, esses países possuem menos do que um profissional de saúde mental para cada 100 mil habitantes.
Como parte dos estudos conduzidos no conjunto das favelas da Maré no Rio de Janeiro, o levantamento feito com 357 participantes mostrou que 79% dos entrevistados consideram importante ter mais informações sobre saúde mental em formatos como áudios, vídeos e aplicativos. Desses formatos, os com maior grau de preferência foram os aplicativos (59%) e vídeos (56%), seguidos por áudios (35%) e livretos (32%).
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A maior parte dos respondentes (63,6%) também expressou interesse em participar de atividades envolvendo cuidados com a saúde mental, sendo que a maioria deles (47%) gostariam de realizar tais encontros de maneira tanto presencial quanto online.
Ao mesmo tempo, embora 62% dos respondentes considerem que serviços digitais visando a saúde mental sejam úteis, pouquíssimos participantes do levantamento (4%) chegaram a utilizá-los em algum momento de suas vidas.
A conclusão da pesquisa, que teve apoio do escritório de Atlanta do Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC-Atlanta) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), revela que o potencial de uso da telessaúde para os cuidados com a saúde mental em comunidades vulnerabilizadas é pouco explorado. Há oportunidades que podem ser cobertas por políticas públicas capazes de promover serviços digitais para populações em desvantagem socioeconômica.
A atuação governamental deve ter como foco medidas para ampliar a popularidade da telessaúde e das ações de educação em saúde mental, aumentando a penetração de soluções comerciais para dar mais opções aos pacientes.
Para atender às necessidades desse público, entretanto, deve-se trabalhar com design, formato e linguagem compatíveis com a realidade cultural e educacional dessas populações. Eis nossa principal sugestão às donas do Instagram, Facebook, X (ex-Twitter), YouTube, TikTok e assemelhados. Com suas enormes capacidades de impulsionar o que esse público gosta de ver e assistir nas redes sociais, por que não começar a identificar, capacitar e promover conteúdos que contribuam – ao invés de minar – a saúde mental de nossa juventude?
Talvez resida aí uma estratégia promissora para a tão necessária desintoxicação dos algoritmos.
*Felipe Moretti é psicólogo, pós-doutorando do Instituto D´OR de Pesquisa e Ensino, onde desenvolve pesquisassobre soluções digitais de promoção de saúde mental, como a plataforma (https://saudemental.idor.org/). Ronald Fischer é doutor em Psicologia Social pela Universidade de Sussex, e pesquisador no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, onde lidera estudos sobre culturas, crenças e intervenções em saúde mental. Fernando Bozza é médico, pesquisador titular da FIOCRUZ e coordena pesquisas em Medicina Intensiva no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, onde liderou diversos estudos relacionados à Covid-19 em comunidades vulneráveis no Rio de Janeiro.