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Acordo entre indústria e governo é pouco eficaz na redução do açúcar

A medida anunciada pelo Ministério da Saúde esconde armadilhas e não terá impacto significativo na saúde brasileira, segundo especialista do Idec

Por Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec*
Atualizado em 22 mar 2019, 18h27 - Publicado em 3 dez 2018, 12h24

No início desta semana, o Ministério da Saúde anunciou um acordo voluntário com associações que representam grandes indústrias. Ele prevê a redução do açúcar na formulação de alimentos ultraprocessados até 2022. A estimativa do governo federal é de que 144 mil toneladas de açúcar sejam retiradas de produtos industrializados nos próximos quatro anos. A medida vem sendo amplamente divulgada, com entusiasmo, mas é preciso adotar bastante cautela, pois acordos dessa natureza escondem muitas armadilhas.

Eis alguns pontos de atenção.

O primeiro diz respeito às metas estabelecidas. Elas são calculadas de acordo com o teor máximo de açúcar em cada categoria de alimento. Isso significa que haverá uma redução nos valores exagerados de açúcar – o que não quer dizer que estarão sendo promovidos índices saudáveis do nutriente.

Na prática, apenas o excesso do excesso do açúcar vai ser eliminado de algumas marcas que nem sabemos quanto representam no mercado. Acredite: a maior parte dos produtos já tem menos açúcar do que a meta estabelecida. Ou seja, os benefícios serão modestos e não vão contribuir para uma mudança de hábitos efetiva. Trata-se apenas de uma redução de danos.

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Refrigerantes das marcas mais vendidas, por exemplo, hoje têm 10,5 gramas de açúcar para cada 100 mililitros. Ainda assim, eles escapam por 0,1 grama do acordo voluntário, cuja meta estabelecida para essa categoria é de 10,6 gramas. Isso nem de longe quer dizer que refrigerantes são saudáveis – ao contrário.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou que o consumo de bebidas açucaradas é uma das principais causas da obesidade e do diabetes. A maior parte delas não possui nenhum valor nutricional. Os açúcares contidos nessas bebidas alteram o metabolismo do corpo, afetam os níveis de insulina e colesterol e podem causar inflamações e pressão alta.

Outro ponto importante a ser considerado no anúncio recente do Ministério da Saúde é o caráter voluntário, que não envolve consequências econômicas, administrativas ou legais para os fabricantes. No Reino Unido, por exemplo, após alguns anos da assinatura de um acordo semelhante para a redução de sódio, houve um aumento da presença desse nutriente por falta de fiscalização e monitoramento adequados.

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Por outro lado, na Argentina e em Portugal, que reduziram de forma obrigatória o sódio no pão de padaria, os resultados são muito mais consistentes.

Experiências nacionais apontam na mesma direção. Desde 2011, diversos acordos voluntários foram assinados com o objetivo de reduzir o uso de sódio no Brasil. Cerca de 30 categorias da indústria alimentícia adotaram a medida, entre eles os setores de carnes e lácteos.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) realizou uma série de pesquisas para monitorar o cumprimento das metas incluídas nos acordos. Em uma avaliação feita com base nos anos de 2011 até 2014, foi constatado que o valor estipulado era muito baixo e ineficiente, porque grande parte dos produtos envolvidos apresentavam a quantidade de sódio dentro da meta para ser reduzido ou estavam próximos de atingi-la. Algo parecido com o caso atual, aliás.

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Medidas que apoiem a redução no consumo de açúcar são necessárias e urgentes. O Brasil é o quarto maior consumidor desse ingrediente do mundo. Apesar da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que o nutriente corresponda a, no máximo, 10% de todas as calorias ingeridas diariamente (idealmente, espera-se que corresponda a apenas 5%), o brasileiro atinge a marca de 16,3%.

Entre outras doenças, o consumo de açúcar está associado ao desenvolvimento de cáries, diabetes, obesidade e problemas do coração.

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E, apesar de o açúcar refinado, ou o “açúcar de mesa”, ser a principal fonte do consumo dessa substância, tal tendência tem diminuído, conforme identificou a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que cresce é a ingestão de açúcares adicionados a alimentos e bebidas em produtos ultraprocessados. Estou falando de refrigerantes, néctares, chás prontos, balas, biscoitos, bolos industrializados e chocolates.

Para que, de fato, haja o desestímulo ao consumo desses e de outros produtos altos em açúcar e ainda ocorra a sua reformulação pela indústria, são necessárias medidas que favoreçam escolhas mais saudáveis por parte do consumidor.

A rotulagem nutricional de advertências, que inclui um alerta na parte da frente das embalagens indicando a presença em excesso de açúcar e outros nutrientes críticos nos produtos alimentícios, é fundamental. Assim como aplicar medidas fiscais para aumentar o preço dos produtos ultraprocessados, restringir a publicidade de alimentos voltada para crianças e a venda de produtos não saudáveis dentro do ambiente escolar.

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O que todas essas medidas têm em comum é que exigem protagonismo do Estado. As evidências acumuladas nos últimos anos apontam que os fabricantes, por vontade própria, não tomam suas decisões baseadas unicamente no bem-estar do consumidor.

Não existe saída única para o enfrentamento do consumo excessivo de nutrientes que fazem mal à saúde do brasileiro. Mas, certamente, acordos voluntários são as medidas menos eficazes.

*Ana Paula Bortoletto é doutora em Saúde Pública pela USP (Universidade de São Paulo), nutricionista e líder do Programa de Alimentação Saudável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

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