A pandemia de Covid-19 resultou em um rastro de incerteza e de medo. Os cuidados com um vírus ainda desconhecido deixaram em segundo plano outras doenças tão importantes que também podem matar.
Neste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o câncer de mama se tornou a forma mais comum dos tumores malignos. Com a pandemia, o mundo inteiro registrou queda nos diagnósticos e muitos tratamentos ficaram represados. A estimativa da OMS é de um aumento de até 30% nas já tão altas estatísticas de mortalidade pela doença.
Na rede privada e de saúde suplementar, observamos de forma drástica esse impacto. O Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, considerado um dos seis de excelência nacional pelo Ministério da Saúde, registrou queda de 90% na procura por exames de diagnóstico e consultas nos primeiros meses da pandemia.
Em 2020, a média de pacientes que iniciaram o tratamento com radioterapia foi 35% menor — são cerca de 600 mulheres que podem não ter iniciado o tratamento em tempo hábil para a cura num único hospital.
A retomada é lenta. De janeiro a maio deste ano foram realizadas 4 435 consultas com mastologistas, 41% a menos que a média do mesmo período na pré-pandemia.
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Mulheres em casa, sem diagnóstico, com medo de ir até os centros de saúde se somam a dois agravantes no SUS: as filas para a realização de exames e de consultas e o esgotamento do sistema para o tratamento de pacientes com Covid-19.
Para tentar reverter esse quadro, o Ministério da Saúde instituiu a Portaria 3.712, em dezembro de 2020, que destina incentivo financeiro ao fortalecimento e à continuidade das ações de diagnóstico e tratamento do câncer de mama e de colo do útero. A medida permite ampliar a cobertura da população-alvo em 30%, a partir das recomendações estabelecidas pelo governo federal, como ação estratégica no enfrentamento da doença diante dos impactos da pandemia na rede pública.
Além disso, é uma possibilidade de aproximar os serviços, que podem ser descentralizados nas regiões, e reduzir distâncias para que as mulheres tenham acesso facilitado e mais rápido ao atendimento.
São 150 milhões de reais disponíveis em todo o Brasil. Cada estado já recebeu um total que varia de 7,5 milhões a 75 milhões de reais, dependendo da meta de desempenho apurada em 2019. Mas vale lembrar que esse é um recurso financeiro em caráter excepcional. Os valores que não forem gastos retornarão aos cofres do Tesouro Nacional.
Por isso a pressa. São 12 meses para o cumprimento dessas ações e o prazo está correndo desde maio. O desafio é fazer com que os municípios consigam utilizar esse dinheiro para exames de rotina de mamografia e rastreamento do câncer do colo do útero.
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Para que essa verba permanecesse nos fundos dos estados, foi preciso apresentar um Plano de Ação, simples e objetivo, e pactuado entre as secretarias de Saúde e as Comissões Intergestores Bipartite (CIB). No entanto, as secretarias municipais não estão com propostas claras de implementação da estratégia para rastrear e fazer o diagnóstico de mulheres com sintomas.
Será um desperdício de recursos e de oportunidade de alcançar os números de exames realizados em 2019 — que já não eram bons na grande maioria dos estados —, o que serviria para aumentar o diagnóstico de tumores iniciais a tempo de evitar a morte de milhares de mulheres.
A Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) está acompanhando de perto o tema. Mas é preciso vontade política, e senso de urgência, para que esse incentivo garanta a saúde de tantas brasileiras.
É urgente que esse chamamento seja feito às mulheres e aos gestores de secretarias de saúde municipais. Não podemos perder a chance. Afinal, nem sempre temos recursos para investir na prevenção de doenças. Estamos diante de uma medida que pode salvar milhares de vidas e se tornar um marco na história do combate ao câncer de mama e de colo de útero no país.
* Maira Caleffi é chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e presidente da Femama