Em meio à crise da falta de soro, atraso na fila do transplante, já deficitária antes da Covid-19, longas esperas para fazer hemodiálise na rede pública e desatualizações na tabela de remuneração do SUS, o brasileiro com doença renal crônica ainda sofre para ter acesso à diálise peritoneal.
Trata-se de um tratamento que substitui o trabalho dos rins, a exemplo da hemodiálise, mas realizado em casa. É uma opção estratégica, porém ainda subutilizada no país. Dos 145 mil pacientes em terapia renal substitutiva, 90% realizam a hemodiálise e apenas 6% a diálise peritoneal, técnica já disponível no SUS e com cobertura de planos de saúde.
Dados mostram que o número de pacientes em diálise peritoneal hoje está muito aquém das metas definidas pelo Ministério da Saúde em 2014. O documento estipulou critérios para a organização da linha de cuidado da pessoa com doença renal crônica e institui incentivo financeiro de custeio destinado ao manejo ambulatorial pré-dialítico.
A meta era de que houvesse aumento anual gradativo para essa opção de terapia, com uma relação de um paciente fazendo diálise peritoneal para cada quatro em hemodiálise ao final de dois anos após a implementação da política pública.
Segundo o Censo, nos últimos três anos houve um aumento significativo de pacientes dialíticos. Em 2019, o total estimado de brasileiros nessa situação foi de 139 691, sendo que apenas 10 756 tiveram acesso à diálise peritoneal. No ano de 2020, o número subiu para 144 179, com 10 525 (7,3%) em tratamento com a referida terapia. Já em 2021, o número de pacientes dialíticos chegou à marca de 148 363 e somente 8 605 (menos de 6%) usufruíram da diálise feita em casa.
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No Rio de Janeiro, terceiro estado com maior número de pacientes em tratamento, há mais de 13 mil pacientes fazendo hemodiálise, sendo que, dos 92 municípios, apenas 30 têm clínicas de hemodiálise. Ou seja, imagina o que esse tipo de diálise domiciliar representaria para a saúde e qualidade de vida desses cidadãos?
Não é de hoje que o setor de diálise vive prejuízo histórico em função do déficit entre o custo real da sessão e o valor pago pelo SUS às clínicas credenciadas, levando a um desequilíbrio econômico que prejudica, ao final, o paciente.
O Rio de Janeiro, no entanto, pode reverter esse cenário com um projeto de cofinanciamento, em que o estado passa a complementar o valor reembolsado pelo SUS, uma forma de auxiliar o paciente e tornar o procedimento mais atrativo financeiramente para as clínicas e hospitais que oferecem atendimento em nefrologia. O projeto, que já teve parecer favorável da Comissão Técnica de Saúde, aguarda agora os trâmites finais para ser implementado (e pode servir de exemplo a outros estados).
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Precisamos repensar e otimizar a difícil jornada do paciente com doença renal crônica. A hemodiálise é disponibilizada em hospitais ou centros especializados e requer que o paciente faça o tratamento presencial quatro dias por semana, cerca de 3 horas por sessão. A diálise peritoneal pode ser uma alternativa a quem mora longe ou tem dificuldade de locomoção, por ser feita em casa, à noite, enquanto o paciente dorme.
Nós sabemos que estamos lidando com uma doença grave e complexa, que não raro culmina na necessidade de um transplante. Mas temos ferramentas para tornar a jornada do paciente menos atribulada. Temos que lutar por elas!
* Alexandre Lenin é presidente da Associação dos Doentes Renais e Transplantados do Estado do Rio de Janeiro (ADRETERJ)