A epilepsia é uma das doenças cerebrais mais frequentes e com maior impacto na qualidade de vida, devido a suas consequências físicas, cognitivas, psicológicas e sociais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, somente na América Latina, tenhamos mais de 8 milhões de pessoas sofrendo com seus sintomas.
Caracterizada pela ocorrência de crises, algumas delas convulsivantes e recorrentes, a epilepsia tem causas congênitas — o indivíduo nasce, por exemplo, com uma malformação cerebral que o predispõe ao problema — ou adquiridas, decorrentes de situações como trauma de crânio, acidente vascular cerebral (AVC), infecções (meningite, encefalite…) ou uso abusivo de drogas. Embora várias causas genéticas tenham sido descobertas recentemente, ainda é comum deparar com casos sem uma razão estabelecida.
Os desafios em relação à enfermidade são imensos e começam pelo próprio diagnóstico. Mesmo nos dias de hoje, muitas pessoas não recebem orientações ou informações básicas sobre a doença. Outro ponto crítico é a garantia de que as pessoas receberão o tratamento adequado com seus direitos respeitados.
O uso dos medicamentos de forma correta, com acompanhamento médico regular e ajuste das doses, é a maneira inicial e constitui a melhor forma de manter o controle sobre a epilepsia. Interrupções no tratamento propiciam o retorno das crises em boa parte dos pacientes.
Já a abordagem cirúrgica só se aplica quando se detecta uma lesão no cérebro causando as crises. É uma opção para alguns casos e pode levar ao controle completo do problema.
Mas existem quadros de epilepsia de difícil controle. Uma parcela significativa dos pacientes não consegue domar a doença com os medicamentos habituais. A essa condição chamamos epilepsia refratária ou farmacorresistente. Do ponto de vista prático, pessoas com epilepsia que não ficam sem crises após o uso de duas ou mais medicações antiepilépticas se enquadram nessa definição. E isso pode acontecer em até 36% dos casos.
A epilepsia refratária causa impacto ainda maior na qualidade de vida, não apenas pelas crises frequentes, mas por toda a situação envolvida, implicando em maior quantidade e doses de medicamentos, limitações sociais (para trabalhar, dirigir…) e até mesmo risco elevado de traumas e morte.
Não é por menos que muitos estudos têm sido realizados em busca de novas opções terapêuticas. E é assim que chegamos ao canabidiol, substância extraída da planta cannabis. Apesar de conhecido há anos, só recentemente a ciência demonstrou sua eficácia nesse contexto.
Hoje contamos com evidências sólidas a favor desse tratamento para a epilepsia refratária. Pesquisas conduzidas com todo o rigor mostram que, em algumas síndromes graves que causam epilepsia na infância (síndromes de Dravet e Lenox-Gastaut e esclerose tuberosa), o canabidiol ajuda no controle das crises.
Um estudo duplo-cego controlado por placebo englobando 30 centros clínicos e 225 pessoas com síndrome de Lennox-Gastaut com idades entre 2 e 55 anos demonstrou que os pacientes que receberam uma solução oral de canabidiol, em doses diárias durante 14 semanas, tiveram redução importante na incidência de crises convulsivas.
Outro trabalho, também publicado no respeitado periódico médico The New England Journal of Medicine, envolvendo pacientes com a síndrome de Dravet, constatou que a média de crises convulsivas por mês diminuiu de 12 para 6 com a solução oral de canabidiol. O estudo contemplou 120 crianças e adultos jovens que apresentavam convulsões resistentes aos remédios convencionais.
Levando em conta as evidências disponíveis, produtos com canabidiol hoje são aprovados pela FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos, e também pelo EMA (European Medicines Agency), na Europa.
Podemos concluir, assim, que o avanço do conhecimento científico sobre a cannabis medicinal demonstra que essa nova abordagem terapêutica pode contribuir de forma significativa no controle das epilepsias graves (e de outras doenças).
* Flavio Rezende é mestre e doutor em neurologia, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Health Meds