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Cientistas Explicam

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Erguendo a bandeira da divulgação científica, um seleto grupo de pesquisadores se une para esclarecer, debater (e se divertir com) os temas mais complexos e polêmicos da biologia e da medicina
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Coronavírus: quase todo mundo tem que pegar para a pandemia passar?

Pesquisadores esclarecem conceitos-chave para entender como pode se comportar a pandemia e por que não podemos ficar de braços cruzados

Por Natalia Pasternak e Luiz Gustavo de Almeida, biólogos*
Atualizado em 9 abr 2020, 18h53 - Publicado em 25 mar 2020, 12h34
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  • Até o dia 16 de março, tanto Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, quanto Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, cogitavam apenas cruzar os braços enquanto a população de seus respectivos países fosse infectada pelo novo coronavírus. No plano inicial deles, já descartado, só deveriam ser protegidos os mais vulneráveis.

    A ideia era criar o que eles entenderam que seria a imunidade de rebanho, ou seja, quanto maior o número de infectados pelo SARS-CoV-2, mais pessoas se tornariam resistente ao vírus devido à memória imunológica adquirida. Assim, chegaria um momento em que o patógeno pararia de se disseminar a rodo por falta de hospedeiros suscetíveis.

    O problema desse raciocínio é que o coronavírus é um agente infeccioso novo e não sabemos quantas pessoas ele é capaz de infectar caso nenhuma medida seja adotada. Além disso, a imunidade de rebanho tem ótimos resultados quando é feita de forma controlada, utilizando vacinas.

    Não usamos um agente potencialmente letal, tampouco o deixamos livre para agir, a fim de alcançar a imunidade de rebanho. Devemos empregar medidas baseadas em estudos e tecnologia.

    Antes de termos as vacinas, era comum mães de crianças com catapora ou sarampo juntarem os filhos contaminados com outros pequenos saudáveis. Eram as “festas do sarampo”. Até podia funcionar, mas o processo não era isento de riscos. No caso do coronavírus, um patógeno que mal conhecemos, o preço pode ser alto demais.

    A imunidade de rebanho será eventualmente atingida. Mas não podemos apressar esse fenômeno imaginando que,  ao proteger tão somente idosos, doentes crônicos e outros mais vulneráveis, estaremos a salvo. Por isso fala-se tanto na expressão “achatar a curva” da epidemia.

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    Se deixarmos muita gente ser infectada em um curto período, os sistemas de saúde não darão conta dos casos que se agravarão. Não temos como garantir que a maioria dos casos será como um simples resfriado. Também não temos como garantir que tipo de imunidade iremos adquirir. Será permanente? Vai durar um ano? É muito cedo para saber, e para apostar a vida de pessoas nisso.

    Para entender melhor a imunidade de rebanho, precisamos conhecer dois conceitos epidemiológicos extremamente importantes: o número de reprodução básico (R0) e o número de infecção efetivo (R). Vamos lá?

    Conceitos para nos defender da Covid-19

    O número de reprodução básico (R0) é utilizado para medir o potencial de transmissão de um vírus. Esse número é uma média de para quantas pessoas um paciente infectado é capaz de transmitir o patógeno, assumindo que as pessoas próximas ao paciente não são imunes a ele.

    Por exemplo, o R0 estabelecido para o sarampo é 15. Então podemos esperar que, em média, uma pessoa infectada seja capaz de transmitir o vírus para outras 15 pessoas suscetíveis.

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    Esse parâmetro não é igual para todos os agentes infecciosos, pois fatores como condições ambientais, forma de transmissão, duração da infecção e comportamento da população infectada, afetam diretamente o cálculo. Assim, os valores dados na literatura científica só fazem sentido no contexto especificado e é recomendável não usar valores obsoletos ou comparar valores com base em diferentes modelos.

    Agora vamos entender o número de infecção efetivo (R). Uma população raramente será totalmente suscetível a uma infecção no mundo real. Alguns contatos estarão imunes devido a uma infecção prévia que conferiu imunidade ou como resultado de imunização anterior, pela ação das vacinas. Portanto, nem todos os contatos serão infectados e o número médio de casos secundários por caso infeccioso será menor que o número básico de reprodução. Nesse cálculo, levamos em consideração as pessoas que são suscetíveis e não suscetíveis.

    Com essas informações apresentadas, podemos concluir que, caso o valor de R seja maior do que 1, o número de casos aumentará, iniciando uma epidemia. Para que um vírus pare de se espalhar, o R tem que ser menor do que 1. Para fazer uma estimativa de R, multiplicamos o valor de R0 pela fração suscetível de uma população.

    Utilizando o mesmo exemplo do sarampo, temos o R0 = 15. Esse vírus começa a se disseminar em um local em que 60% da população é imune, logo 40% da população é suscetível. O número reprodutivo efetivo para o sarampo nessa população é 15 x 0,4 = 6. Nessas circunstâncias, um único caso de sarampo produziria uma média de seis novos casos.

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    A imunidade de rebanho

    No cenário do sarampo, já conseguimos captar a importância da vacinação e podemos entender por que os agentes de saúde defendem que, nesse caso, precisamos ter uma cobertura vacinal de 95% da população. Não adianta 90%, tem que ser 95%. Veja os cálculos nesses dois cenários com esse vírus:

    Os 5% restante da população são pessoas que não podem receber a vacina, por ter o sistema imunológico comprometido ou alguma alergia aos componentes da vacina. Protegemos a massa para que eles também não sofram. Vacinar, portanto, não é uma questão pessoal, mas social. Ainda assim, vale notar que, em 2019, tivemos mais de 13 mil casos de sarampo no Brasil.

    E o coronavírus com isso?

    Bom, não temos vacina para o vírus da Covid-19 e o cenário mais otimista é que ela esteja pronta apenas em 2021. Para ter uma imunidade de rebanho controlada, teríamos que ter essa vacina agora. O R0 do coronavírus foi calculado com base nos casos chineses e temos um valor de 2,6.

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    Como se trata de um vírus novo e não sabemos quantas pessoas estão imunes, estipulamos que 100% da população seja suscetível — logo, o R0 é igual ao R. Portanto, assumimos que dez pessoas infectadas consigam transmitir o vírus para outras 26.

    Isso é o melhor que conseguimos calcular com base nos dados disponíveis (e ainda sujeitos a alterações). A conta toda é bem mais complicada e simplificamos ao máximo para que se tenha uma ideia da importância da vacinação e da irresponsabilidade de deixar a população exposta ao vírus sem tomar medidas não farmacológicas, caso do isolamento social.

    Se a população do Reino Unido tomasse a atitude de não fazer nada, mesmo em um cenário otimista em que só 50% dos cidadãos seriam infectados, teríamos 33 milhões de pessoas contaminadas. Se considerarmos que a taxa de mortalidade mundial da Covid-19 é de 3,4%, teríamos um pouco mais de 1 milhão de mortos. Esses números fizeram com que Trump e Johnson reconsiderassem ficar apenas de braços cruzados. Ainda bem que o Brasil também está se mexendo!

    * Natalia Pasternak é PhD em microbiologia, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Questão de Ciência

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    Luiz Gustavo de Almeida é doutor em microbiologia, diretor do Pint of Science no Brasil e coordenador de Projetos Educacionais do Instituto Questão de Ciência

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