No cenário atual, com pessoas em confinamento, hospitais e UTIs em suas capacidades máximas e exames preventivos sendo adiados ou cancelados devido ao risco de infecção pelo coronavírus (Sars-CoV-2), uma das áreas que mais requerem adaptações, modernização e investimentos é a da saúde.
Ainda incipiente no Brasil, a telemedicina foi regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) de maneira emergencial por causa da pandemia de Covid-19. O intuito é viabilizar uma assistência de qualidade a pessoas que residam em áreas remotas e permitir a continuidade do atendimento em face à restrição de mobilidade.
Entre os pacientes com câncer, a telemedicina tem o potencial de reduzir a necessidade de idas ao hospital, locais onde há risco de contágio pelo coronavírus. Além disso, ela ajuda na resolução de dúvidas e questionamentos que não requerem necessariamente uma interação presencial.
Enquanto para o seguimento de pacientes já conhecidos a teleconsulta pareça uma ótima alternativa, para quem precisa de um primeiro atendimento com o oncologista ela não constitui uma solução adequada, pela estrita necessidade de um exame clínico.
Assim como na consulta tradicional, a teleconsulta exige infraestrutura adequada e profissionais treinados. Por esse motivo, a incorporação desse serviço médico traz muitos desafios, principalmente para o SUS. O serviço público sofre com escassez de recursos e um número grande de pacientes por profissional médico. Sem contar que boa parte dos usuários tem dificuldade de acesso à tecnologia necessária para a interagir virtualmente com o especialista.
Antes de tudo, devemos implementar tecnologias acessíveis e regulamentar o uso das que já temos disponíveis, como aplicativos que permitem ligações por vídeo de maneira segura, documentação da teleconsulta em prontuário eletrônico e o registro da interação virtual. Assim como no atendimento presencial, há informações que precisam ser compartilhadas entre médico e paciente — por isso, é essencial garantir a privacidade deles e a segurança desses dados.
Outro desafio a ser pontuado é o da garantia de um atendimento resolutivo, tanto no SUS, quanto no setor privado. É de suma importância que os pacientes recebam atendimento de qualidade por profissionais gabaritados, e que seja garantida a validade de receitas e atestados médicos emitidos à distância.
Enquanto no setor público a telemedicina esbarra na implantação da tecnologia, no imenso volume de pacientes e na frequente falta de um médico responsável, no serviço suplementar ela sofre com a necessidade de regulamentação da atividade e com a proteção necessária ao profissional de saúde.
Um imenso desafio é conseguir que os avanços decorrentes da introdução da telemedicina sejam perpetuados após a pandemia. Nesse sentido, o CFM, a Associação Médica Brasileira (AMB), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a gestão do SUS terão de alinhar seus objetivos e ações. Isso certamente culminaria em um avanço na disponibilização de assistência médica no Brasil, sempre com a saúde e a segurança dos pacientes no centro da discussão.
*Por Dr. Rafael Kaliks, oncologista e coordenador do Comitê de Políticas Públicas da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc)