O desenvolvimento de novas matérias-primas alimentares, modificadas geneticamente com o uso de uma tecnologia conhecida como DNA recombinante, constitui uma das facetas mais importantes da moderna biotecnologia. Isso porque oferece a perspectiva de inovações que podem contribuir significativamente para a obtenção de alimentos menos perecíveis, mais saudáveis e mais seguros.
Ainda que não resolva todos os problemas da agricultura e da fome no mundo, é uma ferramenta tecnológica bastante poderosa e precisa, que se soma ao melhoramento convencional de plantas, acelerando esse processo e abrindo novas possibilidades.
Novas tecnologias sempre geram dúvidas e, por isso, não raro despertam desconfianças nos consumidores. Com os alimentos geneticamente modificados, a situação não é diferente.
Contudo, para atenuar a desconfiança, vale esclarecer que há uma preocupação com a segurança das matérias-primas alimentares derivadas dessa tecnologia, preocupação que está presente nas várias etapas de seu desenvolvimento. Isso vai da concepção da ideia de uma nova variedade vegetal modificada até a fase de aprovação para cultivo comercial e liberação para consumo humano pelos organismos responsáveis.
Em essência, todo o trabalho de desenvolvimento desde o laboratório do cientista até a fase de experimentação no campo é feito não apenas para que haja a expressão da nova característica, com a preservação das qualidades agronômicas da variedade de origem, mas, principalmente, para que o produto final se mostre seguro para o ambiente e para o consumidor.
A nova variedade derivada da modificação genética deve apresentar um nível de segurança similar ao da variedade convencional que lhe deu origem. Para isso, é necessário que os potenciais efeitos nocivos associados ao consumo dessa nova variedade sejam avaliados e as probabilidades de ocorrência sejam estimadas, de modo que o risco oferecido seja aceitável, por ser similar àquele oferecido pela variedade original.
Assim, os alimentos geneticamente modificados são avaliados segundo o processo internacionalmente estabelecido de análise de risco, que consiste na busca sistemática de informações científicas sobre um determinado efeito adverso, de forma a avaliar o risco envolvido e permitir a adoção de medidas para eliminar ou controlar sua ocorrência.
Os principais pontos considerados no processo de avaliação da qualidade e segurança de alimentos geneticamente modificados incluem: o organismo objeto da modificação genética, a construção genética ou transgene (gene transferido) envolvido, os produtos da expressão (proteínas) dos novos genes introduzidos, a composição química do organismo resultante, o valor nutricional e o potencial tóxico ou alergênico da nova matéria-prima alimentar.
A aplicação das novas técnicas de edição genética, como CRISPR-Cas-9, será capaz de permitir modificações muito precisas e eficazes no genoma humano ou no de uma planta, sem transferência de um gene de outra espécie. O seu uso poderá simplificar os processos de produção, a avaliação da segurança e mesmo a aceitação pelo consumidor.
Isso poderá ter reflexos também em aspectos normativos, por exemplo no que diz respeito à rotulagem, sendo discutível a adequação da palavra “transgênico” pois, nesse caso, já não há mais uso de genes de uma espécie em outra.
As premissas básicas são que toda nova tecnologia deve ser exaustivamente avaliada e que os alimentos derivados da modificação genética devem ser tão seguros para a saúde humana e animal quanto os que lhe deram origem.
Levantamentos exaustivos em cima dos estudos nos últimos 25 anos, conduzidos por diversos organismos oficiais e respeitáveis instituições acadêmicas, não relataram efeitos adversos para a saúde humana ou animal. Ao contrário, confirmaram a segurança dos alimentos transgênicos e a adequação da avaliação feita segundo os protocolos oficiais durante o seu desenvolvimento e na sua liberação pelos organismos regulatórios.
No Brasil, os alimentos geneticamente modificados estão sujeitos às resoluções normativas da CTNBio quanto à avaliação da segurança e também quanto à sua aprovação para comercialização. Essa decisão é homologada pelo Conselho Nacional de Bioseguranca, composto de onze ministros. Nos últimos anos foram liberados três cultivos (soja, milho e algodão), incluindo quatro variedades de soja, onze de milho e seis de algodão. No país, estabeleceu-se ainda a obrigatoriedade de inclusão da informação no rótulo dos produtos.
A primeira geração de organismos geneticamente modificados disponíveis no mercado teve como principal foco a inserção de características para o melhor desempenho no campo, com a transferência de genes que conferem resistência principalmente a insetos e tolerância a herbicidas, aumentando a produtividade. Maior e mais positivo impacto para o consumidor é esperado com a segunda onda de transgênicos, que apresentam melhoria no teor de nutrientes específicos, na composição de componentes bioativos e na conservação pós-colheita.
Os dados obtidos até hoje fazem avançar a certeza de que a engenharia genética, se bem utilizada, tem enorme potencial para aumentar a produtividade agrícola, resguardar o meio ambiente, melhorar a qualidade dos alimentos e trazer benefícios para as pessoas.
* Prof. Dr. Franco Lajolo é professor titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, 2º vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN) e um dos autores do livro “Transgênicos: Bases Científicas da Sua Segurança” (EDUSP)