Na semana passada, você deve ter ouvido falar de uma descoberta assustadora: levantamento da organização Orb Media encontrou plástico (sim, plástico) em 83% da água potável à qual temos acesso no mundo. E olha que o problema é bastante “democrático”: afeta de Estados Unidos a Líbano, por exemplo.
“Enquanto a poluição do esgoto é mais frequente em países pobres, o microplástico não respeita nível socioeconômico”, reitera Paulo Saldiva, médico especialista em saúde ambiental e ecologia aplicada e diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Agora é a hora de entender essa história.
No Brasil
Os cientistas recrutados para o estudo — da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos — analisaram a água de vários pontos do planeta, inclusive do nosso país. Por aqui, o jornal Folha de S. Paulo foi o responsável por coletar dez garrafas com água da torneira de diferentes regiões paulistanas e os enviar para experts. As análises nacionais estão restritas à capital paulista.
De acordo com o relatório final, 90% das amostras verde-amarelas continham fibras plásticas em sua composição.
Aquela com maior concentração do material veio da zona oeste da cidade, seguida por uma da região do Parque Ibirapuera e por outra das proximidades do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
E eu com isso?
Saldiva explica que o fato de outros poluentes já serem jogados no meio ambiente — como a fumaça dos carros, por exemplo —, não justifica tratar essa descoberta recente como algo normal. Ora, embora faltem pesquisas do efeito da exposição em seres humanos, alguns achados iniciais preocupam.
Exemplo: um estudo da universidade inglesa de Exeter conclui que a exposição a esses compostos, apesar de raramente ser letal, pode afetar o crescimento e a fertilidade em animais. Já outro, esse da Universidade da Carolina do Norte (EUA), revela que essas partículas são tóxicas para a espécie Palaemonetes paludosus, o camarão grama. Mas é importante reforçar que experimentos em bichos devem ser interpretados com cautela.
A grande questão, na realidade, é estarmos tão expostos a um componente artificial do qual sabemos tão pouco. “É como se a gente estivesse vivendo um experimento ecológico”, contextualiza Saldiva. De acordo com ele, devemos ficar atentos às próximas descobertas e pressionar por trabalhos que investiguem a ação dos microplásticos a longo prazo na saúde humana.
O que fazer
No Brasil, o líquido analisado pela pesquisa, o que sai da torneira, é comumente usado para cozinhar. Os plásticos presentes ali, portanto, acabam sendo aquecidos na maioria das vezes — o que poderia agravar a situação.
Saldiva faz uma comparação com o bisfenol A, componente de alguns plásticos que interfere na nossa produção hormonal. “Em mamadeiras de baixa qualidade, por exemplo, ele é liberado quando aquecido”, diz.
Os dados globais do trabalho atestam que até a água filtrada pode carregar essas moléculas. Elas foram encontradas em garrafas e também no líquido que passa por um método chamado de osmose reversa, empregado em alguns aparelhos domésticos de filtragem. Assim, é possível que os equipamentos disponíveis no mercado não deem conta do recado.
Enquanto as autoridades não entendem melhor o microplástico, qual a alternativa? “Parar de produzir e comprar tanto plástico”, sugere Saldiva. “Ou, então, desenvolvermos sistemas de descarte mais responsáveis”. O que será que o futuro nos guarda?