Definitivamente, é complicado comparar o corpo humano a uma máquina. Se assim fosse, bastaria recarregá-lo na tomada ou encher o tanque para seguir em frente. Energia ou combustível na medida — nem mais nem menos. Mas a gente come, e não só para sobreviver.
Come uma porção de coisas, algumas saudáveis, outras nem tanto ou nem um pouco. Come para matar a fome, inclusive a emocional. Come, sozinho ou em companhia, para se desenvolver e ser feliz. Por isso, a matemática da alimentação não é tão exata, ao menos na vida real.
O leitor e a leitora que nos acompanham já devem ter uma boa noção de como montar seu cardápio a fim de agradar o paladar sem desagradar o organismo. Não tem segredo: como a ciência vem iluminando há algum tempo, o roteiro é priorizar refeições mais naturais, com alimentos frescos e grande parte deles de origem vegetal, e maneirar — quando não evitar — os ultraprocessados, produtos industrializados que costumam ter um perfil nutricional mais desequilibrado, além de uma miríade de aditivos.
Parece tão simples assim, resumido numa frase. Mas a teoria está distante da prática. E essa dissonância, além de repercutir no bem-estar de cada um, transformou-se numa questão de saúde pública. Falta de tempo, de dinheiro, de informação, de opções… Diversos fatores dificultam a tradução das orientações ancoradas nos estudos em hábitos. E é assim que se estende o abismo entre a teoria e… o prato.
É assim que a população — especialmente quem passa algum aperto financeiro — cai de boca em salgadinhos, biscoitos e macarrão instantâneo, abrindo mão de arroz, feijão, mandioca, ovo e salada. É assim que, conjugando-se aos efeitos do sedentarismo e da sobrecarga mental, o brasileiro engorda e se expõe, cada vez mais cedo, a doenças crônicas.
“O problema da produção alimentícia no século 21 não é sua quantidade, mas sua disponibilidade e qualidade”, resumem os pesquisadores franceses Jean-Pierre Williot e Gilles Fumey em sua sucinta História da Alimentação (Vozes – clique para comprar).
Como virar essa mesa? Ao que tudo indica, não depende só de uma tomada de decisão individual. Desafios desse porte demandam mudanças no sistema como um todo, num esforço que requer o diálogo e a ação de governos, acadêmicos, profissionais de saúde, indústrias e cidadãos.
É disso que trata a reportagem de capa da jornalista Ingrid Luisa, que se tornou tão entusiasta da nutrição que escolheu fazê-la como segunda graduação. A tecnologia até pode nos ajudar a encontrar soluções. Mas é preciso dar um passo além: a sociedade tem de rever sua relação com a comida.
Seria bem mais fácil se fôssemos robôs. Só que, aí, deixaríamos de provar o sabor da vida.
Prêmio no ar: em busca de quem faz a diferença
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