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O que importa pra você? — a pergunta que revolucionará a Medicina

Nenhum remédio ou tecnologia. Especialista escocês defende que a próxima grande mudança positiva na área depende de um maior foco nos objetivos das pessoas

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 14 dez 2017, 12h12 - Publicado em 7 jun 2017, 18h27

Em vez de se concentrar “no que está errado com você”, volte-se “para o que importa para você”. Essa é a mudança de foco proposta pelo movimento internacional What Matters to You (ou O que importa para você), criado em 2010 e que, hoje, já conta com a participação de mais de 20 países.

Ontem, dia 6 de junho, foi celebrada data oficial da campanha —encabeçada no Brasil pela Associação Congregação de Santa Catarina. As instituições envolvidas estimulam, principalmente nesse momento comemorativo, uma relação mais aberta entre os profissionais de saúde e os pacientes. A ideia é dar autonomia e poder de decisão às pessoas, afastando-se de um modelo em que o doutor decide tudo ancorado eminentemente na doença.

Shaun Maher, enfermeiro escocês e um dos líderes do movimento, defende que uma postura humanizada ajuda a melhorar o atendimento e as chances de o tratamento ser efetivo. Na entrevista abaixo, ele traz exemplos disso e mostra como esse novo conceito pode revolucionar a área da saúde. Segundo ele, a Medicina nunca será efetiva se não entender o que o paciente quer no fim das contas.

No que consiste a campanha “O que importa para você”?

O movimento surgiu no país com maior superprodução em saúde no mundo: os Estados Unidos. Lá, um colega propôs mudar a conversa costumeira do médico do “O que há de errado com você” para “O que importa para você”. A ideia era entender os incômodos e as demandas da pessoa para, então, atendê-la de acordo com o que deseja para si.

Defendemos a decisão compartilhada entre o profissional de saúde e o paciente. Essa ideia começou a se espalhar aos poucos em centros isolados. E, em 2014, instituímos o 6 de junho como dia oficial da campanha. Nessa data, profissionais de saúde são estimulados a compartilhar experiências de conversas com pacientes e buscar o diálogo mais aberto com eles. O Brasil entrou nessa história em 2016, com a Associação Congregação de Santa Catarina.

Como fica a decisão compartilhada na prática?

Alguns médicos não entendem quando falamos de cuidados centrados no paciente. Eles argumentam que sempre estão centrados no paciente. Mas o que acontece é que, no passado, o doutor era um Deus e sabia de tudo. Ele receitava um tratamento e pronto.

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Já no mundo moderno, é impossível saber de tudo. Para atender bem alguém, é importante trabalhar de maneira colaborativa. O paciente é o expert em sua vida, enquanto o profissional é o expert em rim, fígado ou o que for. O médico não tem como saber direito de que jeito a doença está impactando o paciente como indivíduo. Em resumo, estar focado no paciente não é “saber o que é melhor para ele” e sim perguntar o que está incomodando, o que poderia melhorar.

Isso traz resultados palpáveis?

Quando fazemos essas perguntas e ouvimos a pessoa, os desfechos clínicos, seja de melhora ou mesmo de cura, aumentam. É até óbvio: ao escutar as reclamações de alguém, o profissional pode fazer uma pequena mexida no tratamento para atender suas necessidades, com menos efeitos colaterais significativos e ele. É uma personalização do tratamento. Nós temos de combater esse modelo de atendimento automatizado, em que se propõe uma solução para várias pessoas diferentes só porque elas têm a mesma doença.

Do ponto de vista de evidências científicas, a verdade é que precisamos evoluir. Mas já há, sim, trabalhos mostrando melhoras ao adotarmos esse foco mais centrado na pessoa.

Mas como pedir isso a profissionais que atendem muitas pessoas em um mesmo dia?

O tempo que se perde na primeira consulta se ganha lá na frente. Veja: ao perguntar o que a pessoa quer, o que gosta, o que a preocupa e qual sua atitude com relação aos riscos de tomar ou não um remédio, o médico passa a compreender melhor a situação. Ele está basicamente determinando qual é a demanda, o que é fundamental para oferecer soluções satisfatórias.

O cuidado centrado no paciente diminui o risco de falha no tratamento, seja porque a prescrição é mais precisa, seja porque o paciente, ao participar da decisão, não culpa o profissional por um resultado ruim, que às vezes acontece apesar dos melhores esforços. E isso, em uma análise simplista, evita que o paciente volte ao hospital para tentar resolver seu problema uma segunda vez.

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Os erros estão entre os grandes motivos que fazem os médicos ficarem sobrecarregados. Se eles acertassem de primeira, não lidariam com tantos retornos. Ser carinhoso e conversar com o paciente é ser efetivo

Na Escócia, uma instituição voltada para desordens mentais colocou pacientes para decidirem, junto com os médicos e administradores, os destinos do local. E eles tinham representatividade real nas discussões! Escolhiam da cor da parede a como achavam que essa clínica deveria atender as pessoas. Esse lugar, em comparação com outros, hoje oferece melhores resultados e melhor qualidade de vida, com uma economia de 300 mil libras por ano. É uma situação em que todo mundo ganha.

Só precisamos dar o primeiro passo, que às vezes é desconfortável e amedrontador. Pensamos que o paciente pode fazer mal a ele mesmo. E, de maneira inconsciente, imaginamos que perderemos poder. Mas dar poder ao paciente não tira poder de ninguém. Pelo contrário!

E se, durante a conversa, o paciente optar por algo drástico, como não se medicar?

Nossa postura certamente traz dilemas. Uma enfermeira me contou sobre um paciente com uma doença gravíssima e que tinha dificuldade de engolir. Em tese, ele só poderia se alimentar por tubos porque, ao mastigar algo, corria o risco de aspirar o alimento para os pulmões e ter uma pneumonia que o mataria.

Ela falou com paciente sobre isso, mas ele insistiu que queria comer de qualquer jeito, porque era isso que importava pra ele. Pois bem: ele comeu… teve pneumonia e morreu em uma semana em vez de morrer em três meses.

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A enfermeira ficou devastada, porque disse ter aprendido que seu trabalho era ajudar pessoas a ter uma vida mais longa. Mas e se essa vida mais longa for torturante e pouco significativa para a pessoa? A opção foi do paciente, que teve as informações necessárias para tomá-la. É uma situação complicadíssima, mas talvez tenhamos que estar mais do lado dos pacientes.

Às vezes uma pessoa não está disposta a correr o risco de um efeito colateral para diminuir o risco de um problema à saúde. Isso deve ser discutido abertamente.

Veja o caso das estatinas [droga usada contra o colesterol]. A cada 1 mil pessoas que tomam, 2 ou 3 vão deixar de ter um infarto. E não sabemos quem são essas pessoas. Precisamos perguntar abertamente ao paciente se ele está disposto a tomar esse remédio, diante do risco de efeitos colaterais, que também existe [dor muscular é uma possível reação adversa].

Vale a pena experimentar por um tempo e ver no que dá? Vale aguentar os sintomas? Isso tudo depende das vontades do paciente, de acordo com um contexto mais individualizado e da conversa aberta com o profissional.

O que não dá, por outro lado, é firmar escolhas sem noção do que as cerca. Temos de dar flexibilidade a esse diálogo. E, claro, combater interesses que nem sempre são compatíveis com saúde. Eventuais bônus de farmacêuticas para a prescrição desse ou daquele remédio não deveriam ser tolerados, por exemplo.

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E o uso da tecnologia não pode ajudar?

Pode. Enviar sua pressão por smartphone para o médico e ter um retorno sobre possíveis condutas sem ter que ir ao consultório, por exemplo, dá liberdade. Mas ela não vai resolver a questão da humanização do atendimento.

Acho que, do ponto de vista tecnológico, chegamos em um estágio excelente. Claro que sempre podemos e vamos evoluir, mas a próxima revolução no atendimento é focar nas pessoas, nos familiares, nos cuidadores. Temos de dar poder a todos.

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