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Coronavírus: Ministério da Saúde amplia uso da cloroquina para casos leves

Orientação sobre o tratamento do coronavírus recomenda utilização precoce da cloroquina e hidroxicloroquina, adotando postura sem embasamento científico

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 18 ago 2020, 10h46 - Publicado em 20 Maio 2020, 12h28

O Ministério da Saúde divulgou orientações para o tratamento precoce de pacientes diagnosticados com Covid-19, a doença causada pelo coronavírus. O documento recomenda a utilização da hidroxicloroquina e da cloroquina (juntamente com a azitromicina, um antibiótico) em pacientes com sintomas leves da infecção — e para os casos moderados e graves também.

Antes dessa decisão, o Ministério da Saúde indicava o uso apenas em quadros severos. Embora já coubesse ao médico optar pelo emprego dessas drogas, o documento serve de incentivo para a expansão da utilização delas. O site de VEJA publicou uma reportagem com o impacto dessa medida na prática.

A nota informativa contraria diretrizes de entidades médicas. A Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Associação de Medicina Intensiva Brasileira haviam emitido um comunicado no dia 18 de maio contraindicando a cloroquina e a hidroxicloroquina (e outros remédios experimentais) em qualquer estágio da Covid-19. No contexto dessa doença, ela deveria ficar restrita a pesquisas clínicas.

O Ministério da Saúde alerta que os pacientes precisarão ser devidamente informados sobre a falta de evidências científicas que atestem qualquer benefício da hidroxicloroquina ou cloroquina. Um “Termo de Ciência e Consentimento” foi redigido e divulgado pelo governo.

Esse documento, no entanto, ignora fatos importantes. Ele cita estudos iniciais que mostram a inibição do coronavírus em células isoladas no laboratório e menciona um trabalho francês que sugere que a hidroxicloroquina e a azitromicina contribuem para a eliminação esse agente infeccioso da garganta dos pacientes. No entanto, não informa que o mesmo levantamento foi duramente criticado pela comunidade científica.

O termo tampouco aponta estudos maiores e mais rigorosos que sugerem o contrário: ou seja, que esse tratamento não confere benefícios, porém apresenta reações adversas.

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Uma dessas pesquisas, por exemplo, foi publicada no conceituado periódico científico The British Medical Journal. Ele recrutou 150 pacientes, sendo que 148 apresentavam sintomas leves ou moderados da Covid-19 — justamente o foco dessa nova orientação do Ministério. Conclusão: a hidroxicloroquina não aumentou as chances de cura em comparação com o tratamento convencional, porém elevou a probabilidade de efeitos colaterais.

Outras tantas investigações com resultados negativos podem ser encontradas em um parecer científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, que defende não recorrer a esses tratamentos antes que estudos maiores, já em fase final de andamento, tragam resultados consolidados.

O próprio termo de consentimento disponibilizado pelo ministério afirma que a cloroquina e a hidroxicloroquina eventualmente causam “disfunção no fígado, disfunção cardíaca e arritmias e alterações visuais por danos na retina”. Também aponta que o “medicamento pode inclusive agravar a condição clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios”. O documento chega a citar que essa estratégia pode levar à morte.

Essa orientação de tratamento do coronavírus é ilegal?

Em um artigo para o Instituto Questão de Ciência escrito antes dessas orientações do governo, o médico sanitarista e advogado Daniel Dourado considera ilegal a criação de um protocolo clínico oficial que preconize a cloroquina ou a hidroxicloroquina para o tratamento do coronavírus. Confira um trecho:

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“Aproximadamente 90% das drogas que parecem promissoras em culturas de células ou quando testadas em poucas pessoas não se mostram eficazes quando começam a ser testadas de modo mais consistente, em ensaios clínicos, para uso na população. […] O registro de medicamentos é obrigatório no Brasil e tem como requisito que o produto, por meio de comprovação científica e de análise, seja reconhecido como “seguro e eficaz para o uso a que se propõe” (Lei 6.360/1976, art. 16, II). A verificação dessa conformidade é competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cabe ressaltar que a alegação de que o Ministério da Saúde autorizou a cloroquina pelo chamado uso compassivo contraria norma da própria Anvisa, que define que essa modalidade exige anuência da agência para cada paciente, pessoal e intransferível, não admitindo liberação generalizada para grupos de pessoas (RDC Anvisa 38/2013, art. 13)”

Daniel Dourado vai além:

“A adoção de protocolo clínico sem comprovação científica contraria a Lei Orgânica da Saúde. Eventual recomendação de uso e posologia de cloroquina e hidroxicloroquina – sem base científica, porque não existe dose estabelecida desses medicamentos para tratamento de COVID-19 – significa criar protocolo clínico e diretriz terapêutica sem observar o procedimento previsto em lei, que é atribuição do Ministério de Saúde e exige o assessoramento da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), considerando as “evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento” (Lei 8.080/1990, art. 19-Q).”

O chamado uso off-label, em que um remédio é prescrito para algo que não está em sua bula, é autorizado para a cloroquina no contexto do coronavírus. Segundo o artigo de Dourado, foi isso o que o Conselho Federal de Medicina (CFM) ressaltou em sua posição sobre o assunto. A instituição de fato libera o uso da hidroxicloroquina, a critério do médico e com consentimento do paciente, porém não recomenda esse tratamento, como foi disseminado por aí.

E o posicionamento do CFM, focado em relações individuais, não justificaria a criação de um protocolo clínico, mesmo que provisório, para toda a população brasileira. O Ministério da Saúde defende que o documento produzido não é um protocolo em si, apenas uma orientação.

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