Entre os anos de 1990 e 1991, a novela global “Barriga de Aluguel” deu visibilidade a um assunto polêmico na época: a gravidez por meio de um útero de substituição. Opção para casos em que a mãe biológica não consegue gestar o bebê, o procedimento consiste na doação temporária do útero por outra mulher, que durante os nove meses carrega o bebê dos pais biológicos. Quase 30 anos depois, o tema volta a ser discutido em “Amor de Mãe”, também exibida pela TV Globo. Mas o que é a Barriga Solidária e quando seria adequado utilizar o método?
Ao longo das três décadas que separam as duas novelas, essa técnica ganhou definidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para garantir mais eficácia e segurança. Ainda assim, o assunto é pouco difundido e dúvidas povoam o imaginário popular.
A decisão de gerar um filho em outro ventre não é fácil. “É algo que envolve pelo menos duas famílias e tem que ser muito conversado. A gente vai descobrindo os obstáculos depois que toma a decisão”, explica a funcionária pública Elaine Lakeisha, de 34 anos, que há pouco mais de três meses deu à luz a filha de uma amiga. O bebê recebeu o nome de Laís.
Tecnicamente, o procedimento é simples. “Para barrigas solidárias, é utilizada a fertilização in vitro, técnica de reprodução assistida bem consolidada na medicina”, explica o ginecologista Eduardo Zlotinik, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. O método consiste na união do espermatozoide com o óvulo em ambiente laboratorial para formação do embrião, que depois é introduzido no útero.
Para ter uma ideia, o primeiro bebê concebido por fertilização in vitro nasceu em 1978, na Inglaterra. “Mas o que gera dúvidas e preocupação ainda é o fato de a gestação ser na barriga de outra mulher que não é a mãe”, continua o médico.
As regras para a Cessão Temporária de Útero estão descritas na Resolução de número 2168/2017 do CFM. Uma das mais importantes é que a doação temporária do útero “não pode ter caráter comercial ou lucrativo”. Daí porque se prefere a expressão Barriga Solidária. Coincidência ou não, a primeira versão do documento foi pulicada somente em 1992, um ano após o fim da novela “Barriga de Aluguel”.
Outra norma determina que a cedente temporária da barriga “deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau”. Ou seja, podem ser barrigas solidárias mãe ou filha, vó, irmã, tia, sobrinha e prima. Outras mulheres precisam de autorização do Conselho Federal de Medicina para seguir o processo.
Diagnosticada com câncer no colo de útero, a empresária Janaína Pohl (35 anos) foi submetida em 2013 a uma histerectomia, que é a retirada cirúrgica de útero, ovário e tecidos próximos aos órgãos reprodutores. “Achei que minha única chance de ter filho seria adotar. Então, entrei na fila da adoção até que um casal de amigos me disse sobre a possibilidade da barriga solidária”, conta.
Em 2017, sua irmã Aline, que acabara de ter o segundo filho, se ofereceu para carregar o bebê da irmã. Aline engravidou de Davi, seu sobrinho, em 2018. “Antes mesmo da gestação, iniciamos o acompanhamento psicológico, que é fundamental para que todo mundo se prepare. Tem a burocracia, tem as expectativas e podem haver imprevistos”, diz Janaína.
Já para Elaine, que engravidou da amiga, o processo foi um pouco mais longo. Por não ser parente de até quarto grau da mãe biológica, ela precisou daquela autorização especial do CRM. Para isso, passou por uma avaliação que envolveu até seu perfil psicológico.
Ginecologista especializado em reprodução assistida e diretor da clínica e Instituto Gera, Joji Ueno ressalta que em 30 anos de carreira fez apenas seis procedimentos do tipo. “A técnica é pouco procurada exatamente pelo desconhecimento da população e até pelo processo, que é longo. Para que a Barriga Solidária aconteça, a família vai precisar procurar uma clínica especializada, um advogado e obter acompanhamento psicológico”, enumera o médico.
De acordo com a psicóloga Soraya Gomiero Fonseca Azzi, do Hospital Israelita Albert Einstein, a escolha pela Barriga Solidária deve ser supervisionada por psicólogos. Entre os pontos que devem ser discutidos, ela lista: complicações que podem ocorrer durante a gestação (como desenvolvimento de diabetes gestacional), intercorrências no parto, cuidados com a alimentação, definição de regras na relação entre mãe biológica e doadora do útero e mudança na rotina.
Janaína Pohl aprovou o seu processo: “No meu caso, deu tudo certo. Eu e minha irmã não discutimos e tomamos todas as decisões juntas, incluindo como seria o parto e a opção por ela não amamentar”.
O mesmo aconteceu com Elaine Lakesha, mas ela confessa ter ficado apreensiva em alguns momentos da gestação. “Fiz de tudo para que a mãe biológica participasse dos mínimos detalhes. Eu falava dos enjoos, das noites que não dormia… Imagino que não é fácil ter seu filho na barriga de outra pessoa”, afirma.
Regras para a Barriga Solidária
- A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Ou seja, pode ser barriga solidária mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima
- Em casos de parentes mais distantes ou quando não há relação consanguínea é preciso da autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM) para continuar o processo
- A cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial
- As clínicas de reprodução assistida devem colocar no prontuário da paciente os documentos:
• Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;
• Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos;
• Termo de Compromisso entre o paciente e a cedente temporária do útero, estabelecendo a questão da filiação da criança
• Compromisso, por parte do paciente contratante de serviços de Reprodução Assistida, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;
• Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes (pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
• Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.
Este conteúdo foi produzido pela Agência Einstein.