O tratamento contra o câncer está em constante evolução. Além da imunoterapia, que estimula o organismo do próprio paciente a combater o tumor, de tempos em tempos surgem medicamentos focados em determinadas alterações genéticas que contribuem com a doença.
Nos últimos dias, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a molécula sotorasibe, desenvolvida para atacar o câncer de pulmão não pequenas células. A droga é voltada especificamente a quem apresenta uma mutação no gene K-RAS G12C.
“O K-RAS foi descoberto há 40 anos e, até agora, não havia nenhum tipo de terapia contra ele. E cerca de 13% dos casos de câncer de pulmão são ligados a uma mutação particularmente no K-RAS G12C”, observa o oncologista Alejandro Arancibia, diretor médico da Amgen Brasil.
Pode parecer muito específico, mas o câncer de pulmão é tão comum que uma porcentagem pequena de pessoas com cada tipo genético já representa um grupo robusto. Para ter ideia, o país teve cerca de 30 mil novos casos e 29 mil mortes pela doença em 2020, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).
A função da molécula sotorasibe é aumentar a sobrevida do paciente. Ela será útil para quem já passou por alguma outra terapia e houve progresso.
“O tratamento básico de qualquer tumor maligno pode envolver cirurgia, quimioterapia e imunoterapia. Após esses procedimentos, essa molécula vem para aumentar a sobrevida do indivíduo como uma solução menos invasiva”, resume o oncologista. O medicamento é tomado via oral.
Lembrando que, até então, não existia um reforço assim para combater esse tipo de câncer. Daí o paciente acabava passando por novos ciclos de quimioterapia, por exemplo.
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No estudo que avaliou os efeitos da molécula, os voluntários já haviam passado por mais de três tipos de tratamentos. Os resultados apontaram que eles ganharam uma sobrevida livre de progressão de 6,8 meses.
Foram acompanhados pacientes em estágio avançado por mais de um ano, e o tempo mediano para a resposta ao medicamento girou em torno de 1,4 mês.
“Eu me atrevo a dizer que quase todos os cânceres de pulmão são descobertos tardiamente. Há muitos anos, as pessoas morriam após seis meses de diagnóstico. A cada dia, aumentamos as chances de fazer a doença regredir”, analisa Arancibia.
Parte das avaliações finais do medicamento envolveu 20 pacientes de câncer de pulmão do Sistema Único de Saúde (SUS). “Aguardamos mais algumas definições burocráticas, como a de preço, mas nosso objetivo é poder atender a saúde pública, já que a suplementar representa apenas 20% da população brasileira”, informa o médico.
A mesma droga agora é estudada para combater outros tipos de tumores.
Câncer de pulmão em detalhes
Dentro do universo de tumores no pulmão, há dois grandes grupos: o de pequenas células e não pequenas células (CNPC). A sotorasibe entra no rol de tratamento desse segundo tipo, que é bem mais frequente (80% dos casos).
A partir daí há os subgrupos: o adenocarcinoma, responsável por 50% casos de CNPC, e o escamoso, flagrado em cerca de 20 a 30% dos diagnósticos.
Alterações no gene EGRF são as mais comuns, seguidas por mudanças nos genes ALK , MET, HER2, K-RAS, BRAF e RET.
Como o medicamento age?
A quimioterapia, forma mais conhecida de combate a diversos tipos de câncer, é utilizada para matar as células malignas. “Só que, no meio do caminho, ela acaba destruindo as células boas também. Por isso os efeitos colaterais são tão agressivos”, explica Arancibia.
Por sua vez, esse tipo de medicamento é mais direto, porque atua exatamente na mutação genética que leva à proliferação das células tumorais. O objetivo é “silenciar” esse gene e sua mensagem. As reações são mais leves: enjoo, náuseas e possível diarreia.
“Por ser de via oral, facilita muito a sua prescrição. O único inconveniente é que é preciso tomar oito comprimidos”, explica o oncologista da Amgen.
Os avanços por trás dos novos medicamentos
Os cientistas que trabalham com esse tipo de tecnologia usam como base um banco de dados genético aliado à inteligência artificial. Ao cruzar vários elementos, é possível mirar na criação de novos medicamentos.
E essa tecnologia vêm avançando rápido. “Há muitos anos, conseguíamos mapear cerca de 20 mil novos genes por ano. Hoje, são 15 mil por mês. Então, uma nova terapia que provavelmente demoraria anos para ficar pronta pode ser desenvolvida em meses”, comemora o oncologista da Amgen.
BUSCA DE MEDICAMENTOS
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Para chegar ao melhor esquema de tratamento para cada paciente, hoje o médico faz a classificação mais geral do câncer e, em seguida, pede uma análise ao geneticista, que chega a informações mais específicas.
“A ideia é ter terapias-alvo, mas, para conseguirmos chegar nelas, é preciso encontrar esse alvos e saber como combatê-los. Se antes visualizávamos algumas luzes que chamavam atenção nessas células malignas, hoje várias delas piscam aos nossos olhos”, conta o médico.
O desenvolvimento da molécula sotorasibe fez parte do Projeto Orbis, que facilita o acesso a terapias inovadoras contra o câncer e é liderado pela agência de regulação americana Food and Drug Administration (FDA). Além da Anvisa, no Brasil, fazem parte as agências da Austrália, Canadá Cingapura e Suíça.