Estudo associa cirurgia de catarata à redução no risco de demência
Entre as justificativas, a melhora da função visual aumenta a interação social e permite uma vida mais ativa, o que protegeria contra o declínio cognitivo
A cirurgia de catarata foi associada a um risco quase 30% menor de demência em adultos mais velhos, mostrou um estudo conduzido pelo departamento de oftalmologia da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos. Publicado em dezembro na revista científica JAMA Internal Medicine, o estudo demonstrou que a extração da catarata (caracterizada pela opacificação do cristalino, a lente natural do olho, levando à visão embaçada) foi associada a um risco significativamente reduzido de demência.
Segundo os pesquisadores, a diminuição do risco persistiu por, pelo menos, uma década após a intervenção cirúrgica. A conclusão foi que a perda sensorial não tratada é fator de risco para demência, mas que pode ser modificado, dada a ampla disponibilidade da cirurgia nos centros de saúde pelo mundo. A demência é uma condição com poucas medidas preventivas, mas que sabidamente se beneficia de condutas relativas ao estilo de vida do paciente, como alimentação e exercícios físicos.
Ao todo, os pesquisadores acompanharam 3 038 pessoas diagnosticadas com catarata ou glaucoma, que estavam livres de demência (doença de Alzheimer e outros tipos) e não fizeram cirurgia de catarata antes de se inscreverem no estudo. A média de idade do grupo foi de 74,4 anos, sendo 59% dos participantes do sexo feminino. Os dados foram coletados de 1994 a 2018.
Os pacientes foram avaliados a cada dois anos através de um teste. Dos participantes, 1 382 (45%) foram submetidos à cirurgia de catarata durante o estudo. O seguimento médio foi de 7,8 anos. Do total, 853 pessoas desenvolveram demência, principalmente Alzheimer, com 709 casos reportados.
A intervenção da catarata foi mais fortemente ligada à redução do risco de demência durante os primeiros cinco anos após a cirurgia em comparação com anos posteriores. Entre as várias variáveis pesquisadas, incluindo nível de instrução, raça, histórico de tabagismo e sexo, a única covariável mais protetora para demência do que a cirurgia de catarata foi a inexistência, no código genético do paciente, do alelo APOE4 – o fator de risco genético mais estudado para Alzheimer.
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Possíveis justificativas
Um possível mecanismo pelo qual a cirurgia de catarata diminui o risco de demência ou doença de Alzheimer, segundo os pesquisadores, está relacionado a uma entrada de maior quantidade e qualidade de luz na retina após a remoção da catarata, o que melhora a função visual. Ora, as células ganglionares da retina (ipRGCs), extremamente sensíveis à luz azul, foram associadas com a função cognitiva.
“A conexão entre as células ganglionares, o nervo óptico e a sua projeção em múltiplas áreas do cérebro pode ser estimulada com a melhora da qualidade do estímulo luminoso que chega à retina após a cirurgia de catarata”, comenta o oftalmologista Osny Sedano, do Hospital de Olhos do Paraná e cuja área de atuação abrange cirurgias refrativas e cirurgias de catarata.
De acordo com o texto do estudo, realmente a catarata faz com que a lente do olho acometido desenvolva uma tonalidade amarelada que bloqueia a luz azul. E algumas células presentes na retina são altamente sensíveis aos estímulos da luz azul e conhecidas por regular os ciclos circadianos.
Com o bloqueio secundário à catarata e a consequente perda da sensibilidade ao estímulo da luz, o ciclo circadiano fica comprometido, aumentando substancialmente o risco do desenvolvimento de demência. A cirurgia de catarata poderia permitir, então, a reativação dessas células, o que devolveria um fator de proteção a mais contra o declínio cognitivo. Mas isso, cabe reforçar, é uma hipótese.
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Fator social também é considerado
No estudo, foi demonstrado estatisticamente um risco menor de demência no grupo de idosos (65 anos ou mais) submetidos à cirurgia de catarata.
“Talvez esse achado esteja relacionado ao aumento do risco de demência vinculado ao isolamento social. A dificuldade visual levaria à exclusão das interações sociais e à redução de atividades esportivas, o que favoreceria o declínio cognitivo”, continua Sedano.
Segundo o especialista, outros estudos demonstram alterações estruturais do córtex visual em pacientes com perda visual. “Em pacientes com degeneração macular relacionada à idade, a baixa visão foi associada a uma atrofia do córtex visual em um acompanhamento de cinco anos”, exemplifica.
*Este conteúdo foi produzido pela Agência Einstein