Comprimido barato para diabetes poderá ajudar a tratar dores no joelho
Cientistas testaram a metformina, um remédio antigo e popular para controlar a glicemia, em pacientes com artrose no joelho. Saiba o que aconteceu

Existem medicamentos que nascem para uma coisa e, com o tempo (e as pesquisas), ganham outras indicações. Alguns são bem-sucedidos nisso — caso do Viagra, criado para tratar um problema cardíaco que depois virou um trunfo contra a impotência sexual masculina. Outros são um fracasso — lembremos da cloroquina, uma droga contra malária que fracassou nos estudos para covid.
A bola da vez é a metformina, um remédio com mais de 100 anos de existência que se consolidou como tratamento para o diabetes. Nos últimos anos, devido a investigações sobre o seu mecanismo de ação (só agora mais bem compreendido) e seus efeitos no organismo, ela passou a ser testada em outros contextos.
E, por incrível que pareça, o comprimido, que é barato e integra programas de fornecimento gratuito do governo brasileiro, se mostrou promissor para ajudar a aliviar sintomas da artrose de joelho.
A metformina foi alvo de um estudo clínico independente e controlado conduzido por cientistas australianos e publicado em periódico da Associação Médica Americana. Eles queriam saber se a medicação auxiliaria a silenciar as dores da osteoartrite — o nome técnico desse processo de desgaste e degeneração das juntas — entre pessoas acima do peso.
Para tanto, recrutaram 107 voluntários, os dividiram em dois grupos — um tomou o fármaco de verdade, outro uma pílula de farinha, o chamado placebo — e avaliaram os pacientes inclusive com questionários sobre a intensidade dos sintomas durante seis meses.
O resultado: quem tomou a metformina (na dose de 2 mil miligramas diários) apresentou redução significativa das dores de joelho.
Mas de onde veio esse benefício? Será que um dia o remédio, ainda não aprovado para a artrose, poderá somar forças ao tratamento do problema?
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A metformina e as dores da osteoartrite
“Ela é a doença mais prevalente na reumatologia, e os joelhos estão entre as articulações mais comprometidas”, conta o médico José Eduardo Martinez, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). Tanto o envelhecimento como o ganho de peso financiam avarias nas juntas, um processo degenerativo e inflamatório que causa inchaço, dores e limitação de movimentos.
E qual seria a melhor forma de intervir atualmente, segundo a ciência? “Os tratamentos mais efetivos são os não medicamentosos, entre eles os exercícios físicos e o controle do peso”, resume Martinez.
Pois é, não existe uma pílula capaz de frear ou curar a artrose. “Não temos medicamentos efetivos e totalmente seguros para modificar sua evolução hoje”, esclarece o reumatologista.
Mas será que a metformina poderia mudar essa realidade e encorpar o arsenal terapêutico? O presidente da SBR comenta: “A associação da osteoartrite com a obesidade e a ideia de que remédios que melhoram o metabolismo poderiam aliviá-la têm gerado pesquisas experimentais e agora clínicas. No caso do estudo australiano, tivemos bons resultados para dor. Mas devemos esperar outras publicações, com maior número de pacientes, para confirmar os resultados”.
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O que a metformina faz no organismo?
A metformina é um remédio de pouco mais de 100 anos de existência amplamente estudado, prescrito e comercializado mundo afora que foi originalmente desenvolvido pelo laboratório alemão Merck — o produto pioneiro (e de marca) é o Glifage, mas hoje existem versões genéricas nas farmácias.
O comprimido é mais conhecido por reduzir a resistência à insulina, um fenômeno que faz o açúcar sobrar na corrente sanguínea e abrir caminho ao diabetes tipo 2. Só que seu mecanismo de atuação no organismo é bem mais complexo do que se pode imaginar.
“A principal ação conhecida é a ativação de uma proteína que funciona como um sensor metabólico para regular o balanço energético das células. Isso permite melhorar a captação da glicose no sangue, reduzir sua produção pelo fígado e modular diversas vias inflamatórias”, explica Roberta Britto, gerente médica sênior da Merck Brasil para Obesidade e Diabetes — a empresa, cabe pontuar, não está envolvida no trabalho australiano.
Opa, inflamação? Eis aí a primeira pista de seu potencial contra doenças de base inflamatória, entre elas a osteoartrite. Mas vamos por partes.
“Sabemos também que a metformina inibe processos ligados ao envelhecimento celular e estimula outros importantes para a renovação e manutenção das células”, conta Britto. Não é à toa que existem pesquisas mensurando seu impacto na longevidade humana, diante do Alzheimer, contra alguns tipos de câncer e numa série de problemas… inflamatórios.
“São estudos em diferentes fases clínicas e pré-clínicas que não estão sendo conduzidos pela Merck”, esclarece a médica. “Por enquanto, a metformina só deve ser usada nas indicações aprovadas em bula.”
Quais seriam elas?
● Controle do diabetes tipo 2 em adultos não dependentes de insulina
● Prevenção do diabetes em indivíduos com sobrepeso, pré-diabetes e pelo menos um fator de risco adicional (por exemplo: pressão alta)
● Apoio ao controle do diabetes tipo 1, dependente de insulina
● Melhora da síndrome dos ovários policísticos
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O efeito da metformina nas articulações
Existem evidências, oriundas de experimentos em laboratório, mostrando que o remédio reduz a inflamação na membrana sinovial, uma estrutura que reveste as juntas, e contribui para preservar a cartilagem e retardar o avanço da artrose.
“O estudo publicado na JAMA Network é bastante relevante por trazer dados observacionais robustos que associam o uso da metformina a uma menor necessidade de artroplastia total [cirurgia para prótese] do joelho e menor progressão da osteoartrite”, comenta Britto.
A gerente médica da Merck prossegue: “Esses achados são especialmente significativos em indivíduos com obesidade, reforçando a hipótese de que o estado metabólico influencia diretamente a doença articular.”
Ao que tudo indica, as vias de atuação do fármaco renderiam não só um efeito anti-inflamatório, mas também um papel de regulação e preservação da cartilagem que protege as juntas, bem como um suporte ao equilíbrio do tecido ósseo.
“São dados encorajadores, embora sejam necessários mais estudos clínicos randomizados para confirmar a segurança e a eficácia em larga escala”, diz Britto.
Se a metformina passar nesses testes, poderá ganhar uma nova indicação para uma condição que atormenta ao menos 365 milhões de pessoas pelo mundo — e cuja maior vítima costuma ser o joelho.