Desde quando a pandemia chegou ao Brasil, em março deste ano, as pessoas passaram a conviver com a necessidade de se preservar. O “fique em casa” virou lema do momento. Mas uma parcela da população simplesmente precisava sair de casa para dar continuidade aos seus cuidados com a saúde. Estamos falando dos pacientes em tratamento do câncer. Mesmo em meio a uma pandemia, a maior parte deles não pode interromper o tratamento. Precisa ir ao hospital para sessões de quimioterapia, radioterapia, procedimentos cirúrgicos, consultas e exames.
Esse foi o caso do advogado Arthur Melo. No fim de 2019, ele recebeu a notícia de que o tumor que tinha tido seis anos antes, um sarcoma de Ewing, tinha retornado e precisaria de um novo tratamento. Fez as malas em Maceió, onde morava, e se mudou para São Paulo, para se tratar no A.C.Camargo Cancer Center. Quando a pandemia começou, ele estava no auge do tratamento, tinha terminado as sessões de radioterapia e ia começar a quimioterapia.
“Tudo aquilo que a gente não conhece, que a gente não enxerga, dá medo. Além disso, a Covid-19 é nova para todo mundo, ninguém sabe como o organismo vai lidar com a doença. Eu cogitei mudar meu tratamento inúmeras vezes, conversei muito com meu médico e com toda a equipe e foram eles que me explicaram e me convenceram de que parar o tratamento não era uma opção. Entendi que é necessário se proteger do vírus e tratar o câncer. Um deles vem de fora e o outro está dentro de você. É preciso levar isso muito a sério”, afirma Arthur.
Para Maria Teresa Lourenço, Head do Departamento de Psiquiatria do A.C.Camargo Cancer Center, os medos do paciente oncológico envolvendo a pandemia vão além do risco para a sua própria saúde, mas inclui também aquelas pessoas que convivem com ele. “O paciente com câncer recebe uma orientação, um tratamento e, aos poucos, adquire segurança. Quando entra a pandemia, o risco não é mais só dele, é de toda a família. Assim, existem pacientes que colocaram o tratamento como prioridade e pacientes que ficam na dúvida se continuam indo ao hospital ou não”, diz.
Arthur confirma que esse foi um dos seus medos, já que seus pais, que fazem parte do grupo de risco para a Covid-19, estavam junto com ele, no mesmo apartamento. “Mas, felizmente deu tudo certo. Eu finalizei meu tratamento em julho, com segurança. Dentro do A.C.Camargo eu me sentia numa bolha de proteção, já que eles tomam todos os cuidados necessários para evitar qualquer contaminação e, do lado de fora, eu também me preocupei em fazer a minha parte, só saindo para o necessário, usando máscara e álcool em gel o tempo todo”, conta.
Rotina
Mesmo durante o tratamento e com a necessidade de ficar em casa, Arthur buscou manter uma rotina de trabalho e atividade física. Conversou com o síndico do prédio em que mora, que autorizou que ele levasse alguns equipamentos da academia do prédio para o seu apartamento e passou a atender seus clientes por vídeoconferência. “Higienizei todos os equipamentos assim que eles chegaram e mantive a rotina de exercício, consegui até ganhar massa magra durante a quimioterapia fazendo exercício em casa. No trabalho, diminuí o ritmo, mas não deixei de atuar”, conta.
Para Maria Teresa, é essencial que cada paciente possa construir a sua rotina, dentro da sua realidade e das orientações que recebeu da sua equipe médica. “Cada paciente está passando por uma etapa, tem um tipo de tratamento, se encontra em uma fase específica. O importante é, primeiro, seguir à risca a orientação de seu médico e, depois, lembrar que é fundamental cuidar da cabeça, ter uma rotina, tomar sol, se mexer, nem que seja dentro de casa”, explica. “Nunca devemos esquecer da saúde mental e pedir ajuda, se necessário, também é muito importante”, completa.
Outro ponto crucial é não deixar que a ansiedade faça o paciente perder a capacidade de raciocinar e continuar vivendo. “Eu sou a prova viva de que existe vida antes, durante e depois do câncer. Quando finalizei meu tratamento, retornei a Maceió e aos poucos estou retomando a minha rotina aqui. Voltei para o escritório para trabalhar, mas para isso fazemos uma higienização frequente aqui e somente eu e meu sócio estamos vindo, o atendimento aos clientes ainda está sendo feito de forma on-line”, conta Arthur, que reforça que também mantém a “malhação” em dia.
Reabertura
Há alguns meses, o comércio começou a reabrir nas principais cidades do Brasil. Junto com essa reabertura aumentou o número de pessoas circulando na rua e, com isso, o medo de alguns pacientes, que precisam sair de casa para seguir com seus tratamentos. Ivan França, Head do Departamento de Infectologia do A.C.Camargo Cancer Center, reforça a importância de manter o tratamento, mas também os cuidados com higiene e distanciamento para evitar uma contaminação pelo novo coronavírus.
“Essa reabertura pode dar uma sensação de que as coisas estão voltando ao normal, mas ainda precisamos ter cuidado. Os pacientes precisam sair de casa para passar em consulta, fazer exames, sessões de quimioterapia, radioterapia ou procedimentos cirúrgicos, mas sempre mantendo o uso da máscara, a higienização das mãos com frequência e respeitando o distanciamento das outras pessoas. Aqueles que estão em tratamento que afetam mais a imunidade, como a quimioterapia, precisam ter um cuidado ainda maior e evitar saídas desnecessárias de casa ou receber visitas, por exemplo”, diz.
Para Maria Teresa, não é possível esperar e deixar que o ambiente e as outras pessoas cuidem da sua segurança. “O paciente com câncer tem que ter a clareza e entender quais são seus limites. Estabelecer a hora de sair, avaliar os locais que pode frequentar e, o mais importante, sempre se proteger. Promover bons momentos, com responsabilidade, é sempre a melhor saída”, explica.
Medidas de proteção
Há meses que o A.C.Camargo Cancer Center redobrou os cuidados e passou a trabalhar ainda mais intensamente para aumentar a segurança de pacientes, acompanhantes e colaboradores.
Veja algumas das medidas:
1 – Triagem virtual: antes de ir ao Pronto Atendimento do A.C.Camargo, o paciente tem a opção de acessar a plataforma Pronto Atendimento Digital e responder a uma série de questões. Assim, somente os casos que realmente precisam vão até o local e evita-se que o Pronto Atendimento fique saturado com casos nãourgentes.
2 – Triagem nas recepções: enfermeiras devidamente paramentadas realizam a triagem de todos que chegam à Instituição, pacientes e acompanhantes. É aplicado um questionário que avalia sintomas respiratórios e a temperatura é medida. Casos suspeitos são encaminhados para um fluxo completamente separado dos demais pacientes.
3 – Consultas, exames, sessões de quimioterapia e radioterapia também contam com cuidados específicos, como a intensificação da higienização dos equipamentos, maior intervalo entre os horários e o distanciamento nas recepções, para aumentarem a segurança do paciente durante seu tratamento.
4 – Internação protegida: os pacientes que precisam de internação têm à disposição apartamentos, enfermarias e leitos na Unidade de Terapia Intensiva devidamente preparados, uma vez que há áreas específicas e isoladas para pacientes com suspeita ou diagnóstico do novo coronavírus.
5 – Exame de RT-PCR: pacientes com procedimento cirúrgico marcado são testados para a Covid-19 dias antes do procedimento e orientados a permanecer em isolamento até a data agendada. O procedimento só é realizado se o resultado for negativo ou se, mesmo com o resultado positivo, a equipe médica avaliar o procedimento como extremamente necessário naquele momento.
Para Arthur foram exatamente essas medidas que fizeram com que ele tivesse coragem de seguir em frente. “Eu estou em um lugar que confio. Mesmo quando São Paulo era o epicentro do coronavírus no Brasil, me sentia protegido dentro do A.C.Camargo. Eu sigo com medo, assim como todo mundo, mas sei que ainda preciso passar por exames e continuar é a melhor e a única opção. Em outubro estarei lá para passar pela minha rotina de consultas e exames como combinado com a minha equipe médica. Confiar faz toda a diferença”, conclui.