Uma das principais estratégias do corpo humano para combater os vírus de uma maneira geral é fabricar moléculas específicas capazes de reconhecer e neutralizar os vários tipos desses inimigos. São os anticorpos. Eles também são produzidos pelo organismo para fazer frente ao novo coronavírus, o Sars-CoV-2.
A questão é que falamos de um patógeno novo para a nossa espécie e a ciência, com alto poder de transmissão e habilidade para levar muita gente ao hospital. Ou seja, não dá pra esperar todo mundo pegar a doença e criar imunidade naturalmente.
Daí a corrida armamentista por vacinas e tratamentos eficazes. Na linha das soluções, já vem sendo usada em caráter experimental uma terapia baseada na transferência de plasma de indivíduos curados para aqueles em estado mais grave. Dentro desse plasma, que nada mais é que uma fração do sangue, há… anticorpos.
Mas outra ideia está na mira dos cientistas: produzir anticorpos específicos contra o vírus da Covid-19 em laboratório. Duas empresas de biotecnologia se uniram para dar os primeiros passos nessa linha de pesquisa, as americanas Amgen e Adaptive Biotechnologies.
Elas começam a investigar, do ponto de vista genético e molecular, quais seriam os anticorpos de indivíduos que se recuperaram da doença que poderiam inspirar e modelar versões artificiais. É o conceito de anticorpos neutralizantes, que, se os testes clínicos futuros se mostrarem bem-sucedidos, ajudará no tratamento e até na prevenção do ataque pelo coronavírus.
Para entender melhor essa história e suas perspectivas, SAÚDE conversou com Tatiana Castello Branco, diretora médica da Amgen no Brasil.
SAÚDE: De onde veio a ideia de criar anticorpos neutralizantes contra a Covid-19?
Tatiana Castello Branco: Uma das muitas maneiras pelas quais seu corpo combate infecções é fabricando anticorpos, que também são conhecidos como imunoglobulinas. São proteínas com potencial de reconhecer, neutralizar e ajudar a destruir agentes patogênicos, como vírus e bactérias, ou toxinas. Os anticorpos neutralizantes protegem as células saudáveis uma vez que interferem na função biológica de um vírus invasor e na sua replicação.
Assim, o objetivo da nossa pesquisa voltada a Covid-19 é identificar a diversidade desses anticorpos em pacientes recuperados e entender as possibilidades de fabricá-los dentro de um laboratório para ajudar pessoas em tratamento ou até mesmo atuar de forma preventiva a quem está mais exposto ao vírus, caso dos profissionais de saúde.
A ideia de testar os anticorpos neutralizantes veio a partir de materiais a que a Amgen e a Adaptive tiveram acesso, que são sequências de genes virais de centenas de pacientes recuperados. Com isso, temos potencial de somar forças a outras iniciativas do mercado para identificar as melhoras formas de deter o coronavírus.
Como funciona esse processo de identificar os anticorpos de pacientes recuperados que seriam os melhores candidatos a essa nova terapia?
Estamos vivenciando um momento único e a velocidade é essencial. Por esse motivo, o primeiro passo para identificar os anticorpos foi criar uma parceria entre duas empresas de biotecnologia e suas plataformas de pesquisa. A colaboração, mutuamente exclusiva, reúne a plataforma de medicina imunológica da Adaptive para a identificação de anticorpos neutralizantes contra o vírus e a experiência da Amgen em desenvolvimento de novas terapias com anticorpos.
A deCODE Genetics, uma subsidiária da Amgen localizada na Islândia, fornecerá informações genéticas de pacientes que foram previamente infectados com Covid-19. A Adaptive ampliará sua plataforma de alto rendimento para selecionar com agilidade a enorme diversidade genética dos receptores de células B [células de defesa] de indivíduos que se recuperaram. E isso permitirá a identificação de dezenas de milhares de anticorpos que ocorrem naturalmente em sobreviventes de Covid-19 para escolher aqueles que neutralizam o Sars-CoV-2.
Com a identificação desses anticorpos, como seria criar em laboratório versões artificiais deles?
Estamos em uma fase inicial de identificação genética dos pacientes recuperados. Após conhecermos e entendermos nossas possibilidades, a Amgen vai aproveitar seus recursos de engenharia de anticorpos e desenvolvimento de medicamentos para selecionar, desenvolver e fabricar anticorpos projetados para se ligar ao coronavírus e neutralizá-lo.
Dá para adiantar como seria o uso dessa terapia na prática? O paciente receberia uma injeção de anticorpos com alguma frequência?
Ainda não temos essas respostas. Porém, olhamos para os anticorpos neutralizantes como um potencial caminho para prevenir ou tratar a Covid-19. Se forem bem-sucedidos, eles poderão criar nos pacientes uma imunidade em curto prazo. Assim, poderiam ser utilizados em pacientes que estejam combatendo a doença ou mesmo profissionais que são mais expostos ao vírus.
Há alguma previsão de quando isso estaria à disposição dos pacientes e do sistema de saúde?
Nossa prioridade atual é acelerar o desenvolvimento de um potencial anticorpo o mais rápido possível, mas ainda não temos uma previsão de quanto tempo durará todo o processo. À medida que tivermos mais respostas sobre a pesquisa, bem como dados mais robustos, divulgaremos. E com certeza vamos trabalhar com os órgãos regulatórios, inclusive no Brasil, para disponibilizar essa solução para todos.