Assine VEJA SAÚDE por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Doutor, meu filho não dorme!

Cresce o número de queixas envolvendo crianças com dificuldades para pegar no sono, e pais estão recorrendo a remédios em busca de noites de paz

Por Daniella Grinbergas (texto) | Siamo Studio (design e ilustração)
7 jun 2023, 18h27

Quando chega a hora de dormir, a casa lembra um campo de guerra. De um lado, mães e pais lutando para os flhos se acalmarem e pregarem os olhos.

Do outro, crianças brigando contra o sono, esperneando ou resistindo a ir para o quarto.

Vencida a primeira batalha, é só os adultos relaxarem que logo ouvem um berreiro ou sentem uma pequena companhia na cama.

Alguém aí se identifica? Pois esse cenário é absolutamente comum em lares com crianças. E parece ter piorado, como mostra o aumento nas reclamações em consultórios e grupos de conversa, após a pandemia.

As lamúrias vêm sempre acompanhadas de uma pergunta que vale milhões: quando é que meu filho vai dormir uma noite inteira?

+ Leia também: Melatonina: suplemento não é solução para insônia e pode ser prejudicial

Continua após a publicidade

“Segundo pesquisas, 25% dos cuidadores têm queixas sobre o sono das crianças, sendo que 40% deles relatam dificuldades para iniciar o sono ou insônia durante a noite”, conta o pediatra Jairo Len, do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Desde os meses de confinamento e maior tensão relacionada à Covid-19, fato é que a falta de rotina, o maior tempo de tela e a ansiedade passaram a bagunçar ainda mais as coisas.

O problema é que, para tentar frear a bola de neve que se criou na calada da noite, tem gente que, levada pelo esgotamento físico e emocional, está apelando para remédios e suplementos indutores de sono à revelia de orientação médica. E isso pode ser um perigo!

 

jornada-do-sono-infancia
(Foto: Eskay Lim / EyeEm - Getty Images Ilustrações: Siamo Studio (@siamo.studio)/Divulgação)

“A princípio, o uso de medicamentos para induzir o sono não é recomendado para crianças”, afrma, logo de cara, a pediatra Simone Fagondes, do Departamento de Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Existem exceções, caso de pequenos diagnosticados com algumas doenças neurológicas e psiquiátricas. Mas, de modo geral, os especialistas são unânimes em desaconselhar a prática de dar remédio para dormir — e não só os feitos para essa finalidade.

Continua após a publicidade

Nos últimos anos, pediatras comentam que se tornou mais frequente pais darem medicações para enjoo ou alergia, que geram sonolência como efeito colateral, para embalar as noites da garotada.

Uma tática equivocada, que não só impõe potenciais riscos à saúde como não irá eliminar o problema.

De acordo com Simone, a esmagadora maioria das queixas relativas ao sono não se resolverá com remédios.

Para não deixar ninguém em maus lençóis, o primeiro passo deve ser a avaliação do pediatra para entender os motivos da falta de sono.

+ Leia também: 7 orientações para o seu filho dormir melhor

Continua após a publicidade

“A maior parte das insônias na infância é comportamental, ou seja, está ligada aos hábitos da família, e pode ser resolvida com a higiene do sono, um pacote de medidas sugeridas para criar uma rotina mais adequada antes de se deitar”, afirma o pediatra Gustavo Moreira, do Instituto do Sono, em São Paulo.

O especialista diz que os relatos mais comuns dos cuidadores englobam a falta de limites ou a demora em ir para a cama no horário, além de reclamações sobre o momento em que o pequeno pega no sono.

“O transtorno de associação do início do sono geralmente vem de práticas como embalar o pequeno, dar a famosa voltinha de carro para que ele adormeça ou deixar que comece a noite na cama dos pais”, aponta a neurologista infantil Rosana Cardoso Alves, da Associação Brasileira do Sono (ABS).

Quando isso vira rotina, a criança entende, desde cedo, que precisa de um estímulo externo para dormir, e aí cria-se uma dependência. Há de se incluir ainda no pacote de pesadelos dos pais as parassonias, como terror noturno, sonambulismo e despertar confusional.

“São situações comuns em crianças abaixo de 12 anos, mas esporádicas e também resolvidas com a adoção de novos hábitos, a menos que haja um distúrbio neuropsiquiátrico por trás delas”, esclarece Rosana.

Continua após a publicidade

A questão é que existem momentos da infância que inevitavelmente respingam no sono, como a erupção dos dentinhos, a retirada da amamentação e a angústia de separação da mãe.

+ Leia também: Sono ruim na infância pode levar a transtorno psiquiátrico na adolescência

Com acolhimento e paciência, porém, tudo se acalma em poucas semanas. É genuína a preocupação com o descanso noturno, inclusive pensando no bem-estar dos novinhos.

Depois que o sol se põe, tanto crianças como adultos começam a fcar com os olhos pesados e a bocejar até percorrer os quatro estágios do sono, que se repetem em ciclos. Cada um deles tem um papel essencial tanto para o desenvolvimento cognitivo como para o revigorar da mente e do corpo.

É no início da noite que o organismo produz a melatonina, que regula nosso relógio biológico e nos convoca a ir para a cama, e, à medida que entramos nas fases mais profundas do sono, são liberados outros hormônios, como o do crescimento e a leptina, que instiga a sensação de saciedade e ajuda a evitar o ganho desmedido de peso.

Continua após a publicidade

A infância é o período em que vivenciamos a maior quantidade de conexões cerebrais, com descobertas e aprendizados que precisam ser processados e armazenados.

E o sono tem papel primordial para botar essa casa em ordem. Por isso o padrão de sono passa por mudanças tão signifcativas nos primeiros anos de vida — e as noites podem ser mais agitadas do que nós, adultos, esperávamos.

Melatonina em pauta

Desde 2021, o hormônio em forma de cápsulas ou gotas pode ser comprado sem receita nas farmácias. Mas os especialistas pedem cautela, sobretudo para o uso infantil. “A utilização contínua e indiscriminada pode fazer o corpo bloquear a produção natural e colocar a saúde em risco”, alerta o médico Jairo Len. Tanto é que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos registrou um aumento de atendimentos nos prontos-socorros pediátricos decorrentes de superdosagem ou intoxicação por melatonina — nos últimos dez anos, o número de crianças tomando a substância subiu alarmantes 530% por lá. O uso sem supervisão médica pode acabar em problemas intestinais, nervosos ou metabólicos. Ainda que seja um suplemento, só dá para recorrer a ele e calcular a dose certa com apoio profissional.

Os recém-nascidos podem dormir até 17 horas por dia de forma picadinha, mas a necessidade de tanto sono vai diminuindo ao longo dos meses com o amadurecimento do sistema nervoso.

A arquitetura do sono vai se modificando e ficando mais parecida com a dos adultos com o crescimento, chegando ao padrão que conhecemos e vivenciamos perto dos 5 anos. E daí vem uma pista da resposta à pergunta de milhões sobre quando eles dormirão noites inteiras.

“Naturalmente as crianças são capazes de dormir plenamente próximo dessa idade, mas, com proatividade e hábitos saudáveis, dá pra ensiná-las bem antes, nos primeiros anos de vida”, defende Len.

O valor disso é que noites bem-dormidas favorecem o crescimento e a disposição da molecada. “O sono está diretamente ligado ao desenvolvimento físico, à imunidade, à memória e à regulação do humor”, lista o pediatra.

Como se comprova no dia a dia, criança que descansou a contento fca feliz, animada e pronta para aprender e brincar.

O quadro oposto, também conhecido, vem em forma de irritação, choro, inapetência, difculdade na escola e sonolência diurna. E também é um convite para, entre uma soneca e outra (ou nem assim), surgirem as brigas e as recusas na hora de dormir pra valer.

Se essa batalha em casa está fugindo do controle, não postergue uma boa conversa a respeito com o pediatra. Isso porque o círculo vicioso de um sono inadequado pode contribuir com desafos de ordem cognitiva e comportamental.

+ Leia também: Apneia do sono em crianças: o que é e como identificar

“Ansiedade, depressão, isolamento social, baixo desempenho escolar e até transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) têm sido associados aos problemas de sono em crianças”, diz Simone.

E a solução para esse filme, que deixa os pais de olheiras e nervos à for da pele, não passa pela autoprescrição de sedativos e afins.

Na verdade, quando a saúde do pequeno está dentro dos conformes, algo assegurado nas consultas periódicas, mudanças de hábito costumam ser o suficiente para a criançada se entregar ao sono.

Não existe mágica! Existe rotina! E isso depende de disciplina, a começar pelos pais. De bate-pronto, é fundamental estabelecer horário fixo para ir para a cama.

A partir daí, uma hora antes é necessário desligar as telas, diminuir a luminosidade da casa, parar com as brincadeiras estimulantes ó em resumo, dar aquela acalmada.

O puxão de orelha, portanto, vai para os adultos que chegam tarde, deixam TV ligada, dão celular ou alimentam a bagunça em momento  inoportuno.

O preparo do quarto também tem regras: ele deve ficar escuro (no máximo com uma luz fraquinha), estar com temperatura agradável, ser silencioso e livre de aparelhos eletrônicos. Eis um ambiente convidativo ao relaxamento.

E, no começo, não adianta chamar o filho, cobri-lo e fechar a porta.

É preciso dar atenção e segurança a ele antes. “Planeje um ritual agradável, leia uma história, acolha… A criança precisa entender que esse é um momento agradável”, aconselha Rosana.

Esse amparo também precisa se estender pela madrugada. Caso o pequeno corra para a cama dos pais, a dica é reconduzi-lo ao quarto com calma, falando baixinho e colocando-o na cama para que volte a dormir em seu lugar.

Não tem escapatória: os melhores remédios para os desafos do sono na infância são carinho, paciência e novos hábitos. Contudo, se mesmo com os ajustes de rotina nada funcionar, existem médicos e psicólogos especializados em sono capazes de ajudar a família a ter ou retomar bons sonhos.

Não há motivo para guerra: é possível (e desejável) buscar as pazes com o travesseiro.

De Boca Aberta

Quando o corpo relaxa no sono, algumas crianças (e adultos) passam a dormir de boca aberta. E é preciso fcar de olho nisso. “Um padrão de respiração predominantemente oral, com a presença de ronco ou sono agitado, deve ser avaliado por um médico”, orienta a neurologista Rosana Alves. Essa descrição sinaliza que pode haver uma apneia abstrutiva do sono, quadro que atrapalha o descanso efetivo. Na infância, ele normalmente acontece em função de as amígdalas ou adenoides serem desproporcionais ao tamanho das vias aéreas superiores. Assim, durante a noite ocorrem interrupções na respiração que provocam despertares, impedindo o pequeno de alcançar os estágios mais profundos do sono. O tratamento pode envolver cirurgia e sessões no fonoaudiólogo e no dentista — dormir de boca aberta piora até a saúde bucal.

ritual-do-sono-infantil
(Foto: fizkes - Getty Images Ilustrações: Siamo Studio (@siamo.studio)/Getty Images)
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.