A expedição
José Lindo, de apenas 2 anos, nasceu com a vista esfumaçada. Portador de uma catarata congênita, ele nunca viu o rosto de sua mãe ou as belezas (e as agruras) do lugar onde mora. Provavelmente passaria a vida toda sem enxergar se não fosse o esforço incansável e inspirador de uma trupe de voluntários que viaja às profundezas do Brasil e oferece às populações indígenas uma série de serviços que só estão disponíveis mesmo nas grandes cidades.
Após um procedimento relativamente simples, que envolve a troca de uma estrutura do globo ocular chamada cristalino, José Lindo ficou com tampões nos olhos durante uma noite toda. No dia seguinte, logo pela manhã, a medicina operou seu milagre: ao tirar as vendas, o garoto estava enxergando bem e pulava contente no colo da mãe. Nessa hora, quem ficou com a visão turva foram as testemunhas daquela cena, a maioria delas com os olhos cheios d’água.
A ideia de criar a ONG Expedicionários da Saúde (EDS) nasceu em 2002, quando alguns amigos, entre eles o ortopedista Ricardo Affonso Ferreira, atual presidente da entidade, fizeram uma viagem ao Pico da Neblina, o ponto mais alto do nosso país, localizado no norte do estado do Amazonas. No caminho, eles depararam com a situação frágil dos índios ianomâmis, que habitam a região, e decidiram fazer algo para mudar aquela realidade.
Com o apoio estratégico do Ministério da Saúde, do Ministério da Defesa, do Exército e da Força Aérea, além do patrocínio e das doações de empresas privadas, o grupo consegue montar estruturas impressionantes no coração da selva, com direito a consultórios, salas cirúrgicas e equipamentos para a realização de exames. Tudo de primeira linha.
A reportagem de SAÚDE seguiu, durante uma semana, os trabalhos da 41ª expedição, que ocorreu em setembro de 2018 na aldeia São José, do povo cricati, na cidade de Montes Altos, Maranhão. Ao longo de 12 dias, foram realizadas 546 cirurgias de pequeno e médio porte, além de 4 857 consultas e 11 776 exames. O projeto envolveu mais de 120 voluntários da EDS, incluindo oftalmologistas, cirurgiões, anestesiologistas, clínicos gerais, ginecologistas, pediatras, nutricionistas, dentistas, instrumentadores, enfermeiros e profissionais de informática e logística. Além dessa equipe, participaram também mais de 170 trabalhadores contratados e voluntários do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Maranhão, ligados ao programa “Sesai em Ação”.
Números tão grandiosos exigem muita organização: semanas antes, os enfermeiros locais visitam as comunidades e estimam a quantidade de pacientes que podem precisar de uma operação. Assim, já dá pra saber mais ou menos os equipamentos e remédios necessários para trazer na garupa. Em alguns casos específicos, os médicos voluntários viajam de helicóptero ou de carro até os lugares mais afastados para confirmar ou não o diagnóstico inicial e, assim, evitar deslocamentos dispensáveis.