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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Um sabiá que não sabia assobiar: a história de um vírus misterioso

Episódio ocorrido na Grande São Paulo adverte sobre os muitos vírus potencialmente perigosos escondidos por aí

Por Paulo Eduardo Brandão
19 set 2022, 17h28

O Jardim Sabiá, em Cotia, cidade que faz divisa com a zona oeste de São Paulo, é mais um bairro urbano residencial ao longo da quase sempre intransitável Rodovia Raposo Tavares. Quem passa por lá pode ver conjuntos de casas e, aqui e ali, trechos de vegetação nativa que conseguiram sobreviver ao avanço do município. Mas o que quase ninguém sabe é que, nesse lugar, foi encontrado um dos vírus mais letais de que se tem notícia.

Em um dia de 1990, uma jovem engenheira agrônoma de 25 anos, moradora do bairro, começou a sentir dores musculares, fraqueza, dor de cabeça e náuseas, algo como uma gripe. Alguns dias depois, ela procurou atendimento médico, sendo internada com hemorragia generalizada e vindo a morrer quatro dias após a entrada no hospital.

Mas morreu do quê? O que teria causado sintomas tão genéricos no início e desandado tão rápido para uma morte tão horrível? Bem, uma vez que estamos na Virosfera, você pode apostar, com razão, que a causa foi um vírus.

Vírus capazes de provocar febres hemorrágicas não eram novidade. Ebola, dengue, febre amarela, hantavírus e companhia também levam a sangramentos generalizados que podem ser letais se não forem tratados a tempo.

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Mas as amostras colhidas naquela paciente do Jardim Sabiá, analisadas em laboratórios do Brasil e dos Estados Unidos, não apresentavam nenhum desses vírus conhecidos. O mistério permanecia.

Até que os cientistas encontraram um tipo de vírus comum em roedores silvestres, chamado de arenavírus. Esse era um grupo de vírus já famoso por causar febres hemorrágicas na América do Sul. Faziam parte dele o vírus Junin da Febre Hemorrágica Argentina, o vírus Machupo da Febre Hemorrágica Boliviana e o vírus de Guanarito da Febre Hemorrágica Venezuelana.

Esses agentes infecciosos já estavam no radar dos virologistas havia alguns anos, mas o arenavírus de Cotia era uma espécie viral nunca vista antes. Recebeu o nome de vírus Sabiá, em uma duvidosa homenagem ao bairro de Cotia, e a doença passou a ser conhecida como Febre Hemorrágica Brasileira.

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ilustração de rato
Roedores são os hospedeiros naturais desse tipo de vírus. (Ilustração: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)

+ LEIA TAMBÉM: Por que a poliomielite voltou a assombrar o planeta

Olhando o Sabiá pelo microscópio eletrônico, ele não é muito diferente em tamanho e aparência quando o comparamos ao coronavírus. Vemos um círculo externo, que é o envelope viral, cravejado de pequenos alfinetes proteicos. Só que, observando mais de perto, começam as diferenças.

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O genoma do vírus Sabiá é uma molécula de RNA com mais ou menos um terço do tamanho do genoma do vírus da Covid-19. Mas tem outra diferença: enquanto o RNA do coronavírus vem montado numa longa e única fita, o do Sabiá se divide em duas fitas separadas, como se fossem dois cromossomos virais.

O Sabiá e vírus aparentados a ele são transmitidos quando inalamos sprays de urina ou fezes de roedores, que são seus hospedeiros naturais. Como assim? Imagine que você entra num galpão meio abandonado onde esses animais tenham deixado suas excreções e, inadvertidamente, respira o ar contaminado por elas.

É o suficiente para pegar o vírus, cuja transmissão pode ocorrer em ambientes selvagens ou rurais mas também em áreas urbanas, como ficou claro no episódio do Jardim Sabiá.

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Uma vez instalado no organismo, esse vírus acaba com as nossas plaquetas, as células do sangue fundamentais para a coagulação. Daí vem a hemorragia generalizada.

(Um parêntese importante: estamos falando bastante de Sabiá, mas o passarinho que leva esse nome não tem absolutamente nada a ver com a história!)

+ LEIA TAMBÉM: Nosso colunista explica como se decifra um vírus em laboratório

Um segundo caso fatal de infecção pelo vírus Sabiá ocorreu em 1999 em Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo, em um trabalhador rural. Depois disso, o Sabiá reapareceu só em 2019, com mais dois casos fatais no mesmo estado.

E onde ele estava escondido todo esse tempo? Talvez esperando alguém passar por um lugar cheio de fezes e urinas de roedores? Ou talvez tenha sido subdiagnosticado antes porque os sinais da doença podem ser confundidos com os de dengue e febre amarela, mais abundantes no país?

Seja como for, o fato é que o vírus Sabiá ainda está por aí. Não há uma vacina. Nem tratamento específico. E quem sabe o que mais pode estar lá fora nos esperando?

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