Violência infantil: é urgente proteger quem ainda não sabe pedir socorro
No Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, entenda o cenário atual do país e seus problemas

Sensibilizar a sociedade sobre os direitos de crianças e adolescentes, estimular a prevenção e incentivar a denúncia contra a violência infantojuvenil tem sido um desafio desde o ano 2000, quando 18 de maio foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
A data remete ao assassinato de Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de 8 anos, em 1973. O crime permanece impune e se tornou símbolo da luta contra essas violências. Em 2022, a iniciativa foi reforçada com a criação do Maio Laranja, porque dar visibilidade à questão é imprescindível.
A realidade nacional reflete um padrão alarmante. Em 2023, o Disque 100 registrou mais de 82 mil denúncias, a maioria relacionada a abuso sexual no ambiente familiar.
Quase 40% das vítimas tinham até 6 anos, justamente a faixa etária mais vulnerável, a primeira infância. Dados do Pequeno Príncipe, maior e mais completo hospital pediátrico do país, reforçam as estatísticas nacionais: 72% dos casos atendidos são intrafamiliares, com predomínio de abuso sexual e vítimas com menos de 6 anos.
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Nessa fase, o cérebro está em formação, e as experiências moldam o desenvolvimento emocional e social. Crianças pequenas têm recursos limitados para expressar o que sentem e dependem inteiramente dos adultos para proteção. O lar, que deveria ser um espaço de segurança, tem se revelado, para muitos, um lugar de dor e violação.
A exposição precoce à violência gera estresse tóxico, afetando a formação da identidade e das relações futuras. O abuso sexual compromete a constituição psíquica, rompendo os limites necessários à convivência em sociedade.
A quebra do tabu do incesto desestrutura as referências internas da criança. Quando é tratada como se fosse um objeto pelo adulto, ela é exposta a práticas que não compreende, tendo como consequência um sofrimento duradouro. Quanto mais precoce o abuso, mais profundas são as marcas.
Sem repertório para entender ou verbalizar o que vive, a criança expressa o trauma com mudanças sutis: regressão de comportamento, medo, alterações no sono e no desempenho escolar.
A resposta a esse cenário passa por educação, acolhimento e denúncia. A violência contra crianças é crime, e sua suspeita deve ser notificada, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por isso, o olhar atento de adultos – familiares, professores e profissionais de saúde – é fundamental. A sociedade deve conhecer os sinais e, diante de suspeitas, fazer a denúncia, que pode ser anônima, por meio do Disque 100.
Além disso, ensinar a criança, de forma lúdica e respeitosa, a reconhecer toques inadequados e a contar quando algo a incomodar é outra medida essencial. Livros, vídeos e conversas diretas – adaptados à idade – ajudam a romper o silêncio e prevenir abusos.
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Há 105 anos, o Pequeno Príncipe surgiu da necessidade de oferecer atendimento em saúde, com olhar de proteção ampliado e, desde 2006, mobiliza a sociedade com a Campanha Pra Toda Vida – A Violência não Pode Marcar o Futuro das Crianças e Adolescentes.
A iniciativa aborda ações que vão da capacitação de profissionais à produção de conteúdos educativos e lúdicos. Com esse compromisso histórico, o Hospital reforça que proteger a infância não é apenas dever das instituições, mas de toda a sociedade. Denunciar, acolher e educar, essas são responsabilidades coletivas e urgentes.
*Marianne Bonilha é psicóloga clínica, com especialização em psicanálise, do Hospital Pequeno Príncipe. Maria Cristina Marcelo da Silveira é pediatra. do Pequeno Príncipe, coordenadora da Emergência SUS da instituição e é docente na Faculdade Pequeno Príncipe