O físico e o digital nunca estiveram tão próximos em tudo em nossas vidas. Esse é o conceito do mundo “phygital”, já usado no atendimento bancário, no ensino, no varejo e que também veio para ficar na saúde. A telemedicina é a grande responsável por unir de forma eficiente esses dois mundos e trazer novas perspectivas para a saúde brasileira.
Porém, por mais irreversível que esse cenário seja, a regulamentação definitiva, em curso no Congresso Nacional, ainda tem que transpor algumas barreiras. A limitação à primeira consulta através de plataformas digitais, com a exigência de que ela seja exclusivamente presencial, é uma delas. Aliás, ponto controverso ao olharmos para o que já experimentamos neste mundo “phygital”.
Desde que entrou em vigor em caráter de urgência por conta da pandemia, mais de 7,5 milhões de atendimentos foram realizados por telemedicina no país. E, se ampliarmos o recorte, 87% desses atendimentos foram primeiras consultas, úteis em evitar aquelas idas desnecessárias ao pronto-atendimento e em identificar quando havia realmente necessidade de uma assistência presencial. O resultado: mais de 75 mil vidas salvas, entre 2020 e 2021.
Além da resolutividade, a telemedicina traz equidade, amplia o acesso à saúde em um país carente e gigantesco, aproximando e humanizando a relação médico-paciente. Quer algo mais inclusivo do que evitar uma viagem de dez dias de barco para uma consulta com um especialista (seja pela primeira ou pela enésima vez)? Sem falar da celeridade que agrega ao sistema, diminuindo as filas de espera de dois anos para dois dias.
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A pergunta é: será que deve haver tantas restrições quando a proposta é um mundo sem barreiras? Estamos na iminência da chegada da tecnologia 5G no Brasil e com a oportunidade de conectar cada vez mais o médico ao paciente, coletando dados e gerando informações que o capacitarão não mais a só tratar da doença, mas sim a focar na prevenção. O futuro da medicina é estarmos acessíveis, em qualquer lugar, a qualquer hora, através de qualquer canal, para todos e constantemente.
Daí a urgência da regulamentação. A ausência de uma clara determinação do que pode ou não ser realizado causa insegurança jurídica. E, sem segurança jurídica, não há desenvolvimento tecnológico e tampouco treinamento de profissionais. O que precisamos é de um ponto de equilíbrio. As divergências precisam ser discutidas entre todos os envolvidos, de maneira técnica e bastante objetiva, com o paciente em primeiro plano.
Manter as restrições previstas nos condena a viver no passado, sem perspectiva de melhora para o atual presente. Não podemos ser dicotômicos e nos ater exclusivamente ao fato de que o que começa no físico tem que seguir no físico, assim como o digital deve ser 100% digital, do início ao fim. O sistema de saúde é um só e, ao convergir, ganha sinergia.
A decisão do atendimento à distância cabe ao médico e ao paciente. É essa autonomia de escolha que deve nortear o ato de cuidar das pessoas. Não podemos nos privar, como cidadãos, desse direito de escolha.
* Eduardo Cordioli é médico e presidente da Saúde Digital Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital)