“Quando você vai ter um bebê, é como planejar uma fabulosa viagem de férias – para a Itália. Você compra uma penca de guias de viagem e faz planos maravilhosos… É tudo muito empolgante.
Após meses de ansiosa expectativa, finalmente chega o dia. Você arruma suas malas e parte. Várias horas depois, o avião aterrissa. A comissária de bordo diz: ‘Bem-vindos à Holanda’.
Houve uma mudança de plano de voo. Eles aterrissaram na Holanda, e lá você deve ficar. O mais importante é que não levaram você para um lugar horrível, repulsivo, imundo. É apenas um lugar diferente.
Você pode ficar lamentando não ter ido para a Itália, pois é o que tinha planejado. A dor que isso causa não irá embora nunca mais, porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa.
Porém, se passar sua vida lamentando o fato de não ter chegado à Itália, você nunca estará livre para aproveitar as coisas muito especiais, as coisas adoráveis… da Holanda”.
A fábula “Bem-vindo à Holanda” foi escrita por Emily Perl Kingsley em 1987 e fala sobre desejos, expectativas, planos e frustrações. A pessoa que sonha em ter um filho e se depara com a infertilidade percorre um caminho por vezes muito longo e similar.
Há um enorme investimento emocional, financeiro e de tempo no filho desejado.
Nessa trajetória, a indicação de utilizar óvulos doados – procedimento conhecido como ovorecepção – e poder gestar um bebê abre uma nova possibilidade para mulheres com baixa reserva ovariana, mas nem sempre essa decisão é simples.
A ovorecepção costuma ser recebida com uma mistura de sentimentos, pois aponta para uma alternativa diferente da que se esperava inicialmente, como gestar um filho biológico, com características de cada um dos membros do casal, dando continuidade à linhagem genética das famílias.
Receber os óvulos implica em aceitar a participação de outra pessoa, a doadora, no processo de maternidade/paternidade, entender os limites do próprio corpo e também lidar com perdas.
É a perda do filho idealizado, que teria a carga genética da mãe e do pai. Perda da ilusão de controle sobre o corpo e dos planos traçados. Além do sentimento de impotência que acompanha muitas dessas mulheres.
Há de se considerar também alguns desdobramentos inevitáveis da ovorecepção. A história dessa família, de sua origem, será contada para os parentes, amigos e para o filho? Essa é uma decisão difícil, já que depende de crenças, temores, fantasias e sentimentos muitas vezes desconhecidos.
Muitos se preocupam com as consequências da revelação, desconsiderando aquelas que podem surgir como resultado do silêncio e do segredo nas relações familiares.
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A importância do apoio psicológico
Vários sentimentos são mobilizados e podem ser identificados e trabalhados com ajuda profissional.
Não raro, a ovorecepção é referida como “a alternativa que restou”, “a ausência de alternativas” ou o “plano B” – assim como a Holanda do conto que abre esse artigo.
Por isso, ressalto a importância de uma escuta atenta para o modo como se decidiu fazer o tratamento com óvulos doados, com as necessárias e pertinentes reformulações das noções da maternidade.
Assim como ir para a Holanda, é bom que haja um tempo para preparar a bagagem para adentrar esse caminho. Refletir e se escutar. Entrar em contato com sentimentos, medos, preocupações, crenças… e lidar com eles.
Nesse caminho, a bagagem se tornará mais leve. É o processo de aceitação, que possibilitará que a ovorecepção seja transformada no plano A – ou seja, desejado e escolhido. E que esse filho seja esperado com sua singularidade, suas diferenças e todos os desafios que apresentará. Como todos os filhos.
*Helena Loureiro Montagnini é psicóloga da Clínica Huntington de Medicina Reprodutiva