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O papel da medicina diagnóstica no cuidado às pessoas trans e não binárias

Inclusão como padrão de qualidade: laboratórios que respeitam identidades garantem diagnósticos mais seguros e humanos

Por Luiziane Maria Falci Vieira, médica patologista clínica*
Atualizado em 7 jul 2025, 09h44 - Publicado em 5 jul 2025, 06h00
foto de prontuario medico com bandeira LGBT atrás
Capacitação das equipes de saúde é importante para assegurar orientação e assistência adequada à população LGBTQIA+. (Foto: GI/Getty Images)
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A Rebelião de Stonewall, ocorrida em 1969, em Nova York, foi um ponto de virada na luta pelos direitos civis da população LGBTQIAPN+.

Mais de meio século depois, o sistema de saúde ainda enfrenta o desafio de oferecer cuidado técnico, ético e verdadeiramente acolhedor a todas as expressões de identidade e gênero. Nesse cenário, a medicina diagnóstica tem assumido um papel central na promoção de práticas mais inclusivas.

Os laboratórios clínicos são, frequentemente, a porta de entrada para o cuidado em saúde, o que torna ainda mais urgente que estejam preparados para acolher com competência técnica e respeito ético as pessoas trans e não binárias.

Em 2019, foi elaborado o documento “Medicina Diagnóstica Inclusiva: cuidando de pacientes transgênero”, um posicionamento pioneiro construído de forma colaborativa entre especialistas em patologia clínica, endocrinologia, radiologia e direito.

+ Leia também: A difícil missão de colorir o envelhecimento LGBTQIA+ no Brasil

O texto propunha mudanças objetivas e necessárias:

  • Adoção do nome social nos sistemas laboratoriais;
  • reconhecimento das limitações do binarismo de gênero na interpretação de exames;
  • revisão dos intervalos de referência laboratoriais em pacientes em uso de terapia hormonal;
  • e a garantia de respeito e privacidade durante todo o atendimento, da recepção à entrega do laudo.
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Naquele momento, foi reconhecido que o modelo tradicional de atenção à saúde precisava ser repensado. O paciente não pode ser reduzido a categorias fixas de masculino e feminino. O cuidado precisa ser personalizado, centrado na pessoa, e livre de discriminação.

Cinco anos depois, as instituições envolvidas no projeto estão revisando o conteúdo do documento. Mais do que uma simples atualização de linguagem ou inclusão de termos, a iniciativa reflete a natureza dinâmica do conhecimento técnico e das necessidades em saúde.

A inclusão não é um favor: é um critério de qualidade. Um laboratório que ignora as especificidades de pessoas trans está vulnerável a erros de diagnóstico e a violações éticas.

Entre os principais pontos em revisão estão a incorporação de novas diretrizes nacionais e internacionais para o acompanhamento hormonal, o rastreamento de cânceres (como mamografia e PSA em pessoas trans), e a atenção integral à saúde sexual.

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+ Leia também: Falta diversidade e acolhimento da população LGBTQIA+ na saúde

O trabalho também propõe aprimoramentos nos sistemas laboratoriais, com a separação técnica e cuidadosa entre sexo legal, sexo biológico (para fins laboratoriais) e nome social. A estruturação desses dados em sistemas LIS e HIS integrados exige sensibilidade e rigor técnico.

Outro aspecto fundamental é a atualização da linguagem institucional. A sigla LGBTQIAPN+ passou a representar, com mais precisão, a diversidade de identidades e orientações existentes, e deve ser usada com responsabilidade pelas instituições de saúde.

Também se propõe a inclusão de diretrizes de comunicação mais inclusivas, desde a sinalização física dos ambientes até os laudos e canais digitais.

Essas mudanças dialogam com padrões internacionais de qualidade. A nova versão da norma ISO 15189:2022, voltada para a qualidade em laboratórios clínicos, e os critérios do Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC) já exigem que políticas de inclusão estejam formalizadas, avaliadas periodicamente e centradas nas necessidades da pessoa atendida.

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No entanto, nenhuma política se sustenta sem pessoas que a coloquem em prática. O cuidado inclusivo precisa ser vivido por toda a equipe dos laboratórios: recepcionistas, técnicos de coleta, biomédicos, farmacêuticos, patologistas clínicos – todos devem ser capacitados não apenas com protocolos, mas com formação ética e humana.

+ Leia também: Inclusão e saúde: os desafios de ser LGBTQIAPN+ no Brasil

Para isso, recomenda-se a realização de treinamentos regulares sobre identidade de gênero e diversidade, a produção de materiais técnicos voltados à adequação de intervalos de referência em terapias hormonais, e ações visíveis de acolhimento, como cartazes informativos e orientações internas.

Incluir, nesse contexto, não é apenas um gesto de responsabilidade social: é uma exigência técnica, uma atitude ética e um dever institucional.

Quando falamos de orgulho LGBTQIAPN+ na medicina diagnóstica, estamos dizendo que toda pessoa merece cuidado com dignidade, segurança e respeito. Isso não é apenas um ideal – é uma obrigação técnica e institucional.

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O processo de revisão do documento está em andamento e deve ser publicado em breve, reforçando o compromisso da medicina diagnóstica brasileira com a equidade, a ciência e os direitos humanos. Um passo necessário para garantir que, na prática, o orgulho LGBTQIAPN+ também seja cuidado.

*Luiziane Maria Falci Vieira é médica patologista clínica e membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML). Coordenou o documento Medicina Diagnóstica Inclusiva: cuidando de pacientes transgênero. 

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