No Brasil, estima-se que, de cada dez mulheres que não desejam engravidar, oito estão em uso de algum método anticoncepcional. Isso mostra uma boa cobertura nas táticas de contracepção. Era de se esperar, portanto, que teríamos um baixo número de gestações não planejadas. Por incrível que pareça, não é isso que acontece: mais da metade dos nascimentos no país não foi programada. Como explicar tamanho paradoxo?
Vamos lá: gestações não planejadas têm múltiplas causas, como a qualidade da educação e a falta de metas dos governos em saúde reprodutiva. Mas por que a grande abrangência dos métodos anticoncepcionais não minimiza esse fenômeno?
Isso está relacionado à pequena quantidade de mulheres que usam métodos altamente eficazes e que não dependem da memória da usuária. Refiro-me aos DIUs e ao implante hormonal. Essas opções, cujo índice de falhas é igual ou menor que o do procedimento de laqueadura, são usadas por menos de 2% das brasileiras.
Por aqui, os campeões são a pílula e o preservativo, métodos mais sujeitos ao uso incorreto — não há como garantir a eficácia da pílula em caso de esquecimento ou má adesão. Não à toa, ela e a camisinha apresentam cerca de 20 vezes mais falhas que os DIUs e implantes.
De acordo com a pesquisa Nascer no Brasil: Inquérito Nacional Sobre Parto e Nascimento, 55,4% das mulheres não planejaram sua última gestação. Os grupos em que isso mais ocorre são os das adolescentes, usuárias de drogas e portadoras de doenças crônicas. Esse dado reforça a necessidade de criar estratégias diferenciadas para esses segmentos da população.
A ausência de planejamento faz com que boa parte dessas mulheres não se cuide da melhor forma durante a gravidez, aumentando os riscos para elas (depressão pós-parto, aborto ilegal, violência doméstica…) e para os bebês (parto prematuro, baixo peso ao nascer, menor tempo de amamentação…).
Sem falar nos prejuízos econômicos: calcula-se que o Brasil gaste 4,1 bilhões de reais por ano com gestações não planejadas. Por essas e outras, esse fenômeno perpetua o ciclo de pobreza, especialmente entre adolescentes, uma vez que só 25% das jovens que engravidam continuam estudando.
Educar a população e viabilizar o acesso aos melhores meios contraceptivos são formas de garantir às brasileiras o direito de decidir sobre o melhor momento de ter um filho. E, ao assegurar esse direito, poderemos diminuir as desigualdades entre homens e mulheres, resguardar a saúde delas e construir uma sociedade mais próspera.
*Carolina Sales é médica, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e chefe do Setor de Anticoncepção da instituição