O número de estudos clínicos abertos anualmente dobrou nos últimos 10 anos: passou de 19 mil, em 2012, para 38 mil, em 2022. Hoje, são mais de 430 mil no mundo.
Com esse crescimento substancial, abre-se também uma janela de oportunidade para aumentar a diversidade da população estudada.
Infelizmente, ainda não temos uma base de dados unificada que nos permita aferir demograficamente os estudos em andamento no mundo – o que, por si só, já indica que a inclusão desse importante critério ainda não é um consenso.
Porém, algumas tendências promissoras começam a surgir, indicando uma melhora gradual.
Cabe lembrar que a diversidade nos estudos clínicos é uma preocupação há mais de 50 anos, e a pandemia Covid-19 ressaltou ainda mais a urgência desse assunto.
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Desde novembro de 2020, a FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora de saúde nos Estados Unidos, emite orientação específica para que a indústria considere em seus estudos clínicos uma diversidade tanto em relação às características demográficas das populações (como sexo, raça, etnia, idade e local de residência) como as não-demográficas (a exemplo de comorbidades e presença de quaisquer deficiências ou doenças raras).
Esse olhar é fundamental. Primeiro, porque os tratamentos devem atender à sociedade como um todo, refletindo sua multiplicidade.
Experiências e condições de vida, além de características como etnia, idade, sexo e orientação sexual, impactam nos resultados e precisam ser levadas em consideração.
Afinal, o modo e o local onde vivemos, aprendemos, trabalhamos e nos divertimos fazem a diferença em nossa saúde.
O acesso a bons cuidados de saúde, a alimentos saudáveis e a uma educação de qualidade interferem positivamente em nosso bem-estar.
Por outro lado, experiências e exposições negativas – aqui podemos citar fatores como poluição, violência, racismo estrutural e discriminação – são causas para o desenvolvimento de doenças.
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Neste ano, uma pesquisa encomendada pela Sanofi em cinco países (Brasil, Reino Unido, EUA, Japão e França), apontou, sob uma perspectiva diferente, mas igualmente relevante, a necessidade de saúde e diversidade caminharem juntas.
Se por um lado a maior representatividade nos estudos clínicos pode garantir resultados científicos mais fidedignos, atendendo melhor às pessoas, por outro os serviços e profissionais de saúde precisam estar preparados para o atendimento humanizado, que considere essa multiplicidade social.
Em ambos os casos há um longo caminho a percorrer.
Os dados revelam, por exemplo, que 80% das pessoas de grupos étnicos minorizados – que, no Brasil, é predominantemente composto pela população negra – tiveram alguma experiência que prejudicou sua confiança na área de saúde.
No Brasil, 23% das pessoas negras e de outros grupos raciais têm mais probabilidade de se sentirem indesejadas por um prestador de saúde ou pelo sistema de saúde no geral.
A falta de confiança é mais um fator que aprofunda as desigualdades sociais, porque limita o acesso das pessoas à informação correta sobre saúde, como cuidados preventivos ou a aderência aos tratamentos de doenças.
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Essa falta de confiança também pode estar relacionada à tímida participação de grupos minorizados em estudos clínicos.
No Brasil, as pessoas negras compreendem mais da metade da população (56,1%, de acordo com IBGE) e esse é um dado expressivo, que deve ser analisado de forma prioritária nos estudos clínicos.
Na Sanofi, nosso objetivo é que, até 2025, tenhamos 25% de pacientes negros participando dos nossos estudos clínicos no Brasil.
O aumento da inclusão da população negra é fundamental para considerar uma maior variedade de pacientes com condições de saúde diferentes.
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Isso não se restringe apenas a questões genéticas: inclui também as condições ambientais, sociais e econômicas, que influenciam na saúde do indivíduo, inclusive impactando na resposta ao tratamento.
Mas, para garantir o envolvimento de diversas populações nos estudos também há desafios. Precisamos, por exemplo, facilitar as inscrições de voluntários para os estudos e empregar estratégias para a retenção e o engajamento desses grupos.
Além disso, é crucial o envolvimento da comunidade, das autoridades públicas e de parceiros da indústria farmacêutica para fomentar a confiança e promover mudanças coletivas nos estudos clínicos.
A colaboração entre todos esses atores pode resultar inclusive em parcerias significativas em busca de soluções.
*Viviane Rezende é farmacêutica e diretora da Unidade de Estudos Clínicos da Sanofi Brasil