Crianças conectadas: muito além do tempo de tela
Não deveríamos só restringir o uso de meios eletrônicos pelos mais novos. Quando bem empregada, tecnologia pode ser aliada da família, defendem autores
Criar filhos nunca foi uma tarefa fácil, e a presença das novas tecnologias desde cedo na vida das crianças pode aumentar ainda mais esse desafio.
Não há dúvidas de que a tecnologia digital é um elemento importante na vida diária de crianças, adolescentes e adultos. A pesquisa Games Brasil de 2023 aponta, por exemplo, que cerca de 70% dos brasileiros têm o hábito de jogar videogame. O uso de smartphones é muito mais difundido: brasileiros passam, em média, cinco horas e meia por dia usando seus dispositivos móveis.
Ao mesmo tempo, famílias e escolas se preocupam com as crianças e as “telas”, um termo genérico para dispositivos como celulares, tablets, videogames, computadores e televisão. Será que faz bem mesmo? Não é melhor proibir tudo?
Quando a ideia é manter as crianças quietas ou fugir de problemas, é um uso potencialmente problemático. Mas essas tecnologias também nos permitem buscar novos conhecimentos, conversar com amigos e família, experimentar formas de arte e entender melhor como o mundo funciona. E a pandemia impulsionou essa visão.
As crianças de hoje são educadas e cuidadas por uma geração que viveu de perto o surgimento de computadores pessoais, celulares, videogames e a própria internet. Os adultos precisam aprender a mexer nessas ferramentas e agora têm a tarefa de orientar seus filhos a usá-las da forma mais saudável possível.
A pergunta mais frequente sobre a relação entre crianças e tecnologia é: quanto tempo devem usar? Qual a indicação para cada idade?
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Instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) desenvolveram recomendações sobre o tempo de tela adequado para crianças e adolescentes.
Essas orientações incluem, por exemplo, que crianças de menos de 2 anos não usem telas e que crianças até 4 anos usem por no máximo 1 hora por dia. A partir daí, vão ficando mais flexíveis, desde que o foco seja em desenvolver atividades não sedentárias na maior parte do dia.
Por outro lado, o tempo de telas é só o início da discussão. Mais importante que um simples número é a reflexão, pela família e pela escola, sobre o propósito do uso, seguida de orientações sobre como usar ferramentas digitais de maneira consciente.
Pense no isolamento social durante a Covid-19: sem poder sair de casa, a internet foi a principal maneira de as crianças seguirem os estudos e manterem contato com família e amigos. A conta do tempo de uso simplesmente não servia nessa situação.
Este olhar macro da nossa relação com a tecnologia digital é o grande objetivo do nosso livro Crianças Bem Conectadas (Maquinaria Editorial – Clique para comprar**), que conta ainda com a co-autoria da psiquiatra Laura Moreira e das psicólogas Aline Restano e Juliana Potter.
Defendemos que, com alguns conceitos e ideias em mente, é possível desfrutar do lado bom da tecnologia. O que devemos levar em conta, então?
Participação: assistir e jogar juntos, assim como conversar sobre tecnologia na mesa do jantar, são algumas maneiras de estar por perto e aprender. Orientar não é impor, e muito aprendizado vem do diálogo;
Equilíbrio: é fundamental que se realizem outras atividades, como estar com família e amigos, praticar esportes, brincar ao ar livre, dormir, ler, brincar de faz de conta, jogar jogos de tabuleiro e ter hobbies;
Momentos adequados: cabe orientar sobre outros momentos quando não é permitido usar telas. Por exemplo, ao atravessar a rua, durante as aulas ou na hora das refeições;
Hora de dormir: evitar as telas entre 1 e 2 horas antes de dormir ajuda a diminuir os estímulos e ter um sono de melhor qualidade;
Guiando pelo exemplo: lembre-se de que as crianças estão sempre observando os adultos. Tem pouco efeito dizer que “tela demais faz mal” se elas observam os adultos grudados em seus celulares e computadores o dia todo.
A tecnologia pode, sim, ser uma aliada da família e da escola e não precisa ser um bicho de sete cabeças. Não existem fórmulas prontas, o que exige uma reflexão constante, levando sempre em consideração o contexto de cada criança.
* Daniel Spritzer é médico psiquiatra e Bernardo Bueno, pesquisador da PUC-RS. Ambos são coautores do livro Criança Bem Conectada (Maquinaria Editorial)
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