Os brasileiros passaram a cuidar menos do coração durante a pandemia da Covid-19. Essa é a principal revelação do estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), com apoio da empresa Edwards Lifesciences, para a campanha “Unidos pelo Coração”.
A pesquisa acende o sinal vermelho especialmente por duas razões. Os cardíacos estão entre os pacientes que mais sofrem de complicações quando infectados pelo coronavírus. E, a despeito da Covid-19, as doenças cardiovasculares já se inserem entre as principais causas de morte no Brasil.
Para entender se os brasileiros estavam atentos ao coração, foram ouvidas em agosto 2 mil pessoas, numa amostra representativa e proporcional da população brasileira e com margem de erro de 2 pontos percentuais nos resultados. Mais da metade dos entrevistados (52%) afirmaram que deixaram de procurar ou evitaram, ao máximo, algum tipo de atendimento médico por causa do novo vírus. O medo de contágio e o temor de aglomerações foram citados como os principais motivos para deixar de lado a consulta médica.
Essa é uma atitude de alto risco. Independentemente da pandemia, dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) indicam que, diariamente, uma média de mais de 1 100 brasileiros vão a óbito por conta de problemas do coração e circulação. São números muito próximos da mortalidade por Covid-19 registrada no Brasil em julho, o mês mais crítico da pandemia, com médias diárias superiores a 1500 mortes.
O cruzamento dessas duas informações permite, também, supor a possibilidade ainda maior de subnotificação de casos de pessoas que, na pandemia, efetivamente padeceram de algum problema de coração e, ainda assim, evitaram procurar o médico.
Dos entrevistados pela pesquisa, 18% dos brasileiros tiveram sintomas típicos de doenças cardiovasculares, como dor no peito ou dormência no braço. Entretanto, 26% dessas pessoas sintomáticas retardaram quanto puderam a busca por atendimento médico e 24% delas simplesmente deixaram de procurar o hospital. Tudo por medo de contágio. Podemos imaginar, assim, que uma parcela considerável dos brasileiros tenha convivido calada com doenças novas ou pré-existentes, basicamente por receio de contrair o coronavírus ao sair de casa para fazer consultas ou exames.
É ainda mais grave pensar essa realidade para as doenças cardiovasculares, cujo sucesso no tratamento é garantido com o alerta e a prevenção precoces e contínuos. Tal peculiaridade e o fato de cardiopatias estarem entre as comorbidades que mais acentuam o quadro grave de Covid-19 deveriam levar o brasileiro a se preocupar mais com a saúde do coração.
Em vez disso, a pesquisa do IBPAD descobriu que 67% dos entrevistados mudaram pouco ou moderadamente suas atitudes em relação à prevenção de doenças cardiovasculares. Até era esperado que os mais jovens fossem, disparadamente, os mais displicentes nesse sentido. Mas não foi o que revelou o estudo. Mesmo entre os entrevistados mais velhos, nas faixas de 45 a 59 anos e dos maiores de 60 anos de idade, o percentual de abandono dos cuidados não muda muito e ficou entre 67% e 64%, respectivamente.
A falta de cuidado e atenção dos brasileiros em relação às doenças cardiovasculares, infelizmente, é um mau hábito antigo e não restrito ao período da pandemia. A nova pesquisa mostra que as doenças cardíacas preocupam apenas 22% dos brasileiros, pouco mais da metade da porcentagem da primeira colocada no ranking, o câncer (47%). Também aponta que aproximadamente quatro em cada dez brasileiros sequer fizeram alguma consulta ao cardiologista na vida. E, entre quem já foi alguma vez a esse profissional, 60% disseram que a consulta ocorreu há mais de um ano.
Acrescenta-se ao cenário o fato de que muitas doenças cardiovasculares são ignoradas pela maioria dos brasileiros. Por exemplo, as doenças estruturais do coração, como o estreitamento da válvula aórtica, são desconhecidas por 85% do público.
Os robustos resultados revelados na pesquisa para a campanha “Unidos pelo Coração” exigem um olhar cuidadoso da comunidade médica, dos tomadores de decisão e das autoridades públicas de todos os poderes. É irrefutável: o país, que ainda luta para superar a Covid-19, sofre silenciosamente de doenças do coração.
* André Jácomo é diretor de pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD)