A telecirurgia robótica, procedimento realizado por robôs controlados de forma remota por médicos, não é mais assunto de ficção científica.
Nas duas últimas décadas, o desenvolvimento da cirurgia à distância com robôs tem sido lento e gradual, principalmente por conta dos desafios relacionados à velocidade e à confiabilidade das redes de transmissão de dados. Contudo, ela já virou uma realidade.
Uma das primeiras telecirurgias feitas no mundo, e também uma das mais célebres, aconteceu ainda em 2001: chamada de Operação Lindbergh, ela permitiu que um cirurgião em Nova York, nos EUA, operasse uma pessoa em Estrasburgo, na França.
Tratou-se da remoção de uma vesícula biliar. O médico, Jacques Marescaux, operou o paciente por meio de um aparelho robótico com o oceano Atlântico no meio.
De lá para cá, a evolução da banda larga do 3G para o 4G fez com que a velocidade das conexões saltasse de 2 Mbps para 200 Mbps. E a chegada da internet de quinta geração, o 5G, vai proporcionar conexões de mais de 1 Gbps, com latência de menos de 10 milissegundos, contra 20 a 30 milissegundos do 4G.
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Isso abre um mundo de possibilidades na medicina, em especial quando aliada à inteligência artificial, à nanotecnologia e ao feedback háptico, que permite ao cirurgião “sentir” a textura e a resistência dos materiais como se estivesse lá (até videogames hoje possuem recursos como esses).
O que essa nova geração de conectividade deve proporcionar vai além de promessas. É verdade que muito do que tem sido feito ainda tem caráter experimental. Mas já conhecemos o potencial da alta banda larga e da baixa latência.
Latência, vale dizer, é o tempo necessário para um dispositivo “conversar” com o outro. Imagine que a demora ou agilidade para um robô obedecer a um comando enviado por um cirurgião em outro canto do mundo pode ser a diferença entre vida e morte na sala de operações.
Se antes não havia infraestrutura adequada para transformar a telecirurgia em algo habitual nos hospitais, vemos o potencial de isso virar rotina com o 5G.
Em 2019, por exemplo, foram realizadas cirurgias complexas de coluna a distância baseadas na quinta geração da internet em 12 pacientes de seis hospitais de seis cidades diferentes na China. O país é um dos que lideram esse tipo de tecnologia, tendo também efetuado neurocirurgias remotas.
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Esses recursos trazem vantagens principalmente para especialidades médicas com baixo número de profissionais disponíveis em determinada região. Por exemplo, no campo da cirurgia de mão, apenas 0,2% dos profissionais declaram ser especializados na área, segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil 2020, do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Os benefícios do 5G não param por aí. Essa rede, que ainda não é uma realidade em larga escala por aqui, poderá contribuir com a execução de exames a distância, o que é fantástico se pensarmos num país de grandes proporções como o nosso, com locais de difícil acesso e maior dificuldade de instalação e retenção de profissionais habilitados.
Um exame de tomografia computadorizada por emissão de pósitrons, por exemplo, gera arquivos extremamente pesados — de até 1 gigabyte de informações por paciente.
Se é necessário efetuar um exame remoto, arquivos deste tamanho podem ser baixados com muita lentidão em uma rede atual. Imagine poder baixar essa quantidade de dados e imagens em poucos segundos!
O 5G também vai diminuir falhas de conexão nas teleconsultas, permitindo uma experiência mais próxima de uma consulta presencial.
Mas, para que tudo isso chegue ao cidadão, precisamos ir além dos desejos e encarar os prós e contras de esperar tanto pelo 5G, já disseminado em outras nações. Pois, ao lado de todo o seu potencial, há desafios e custos de implantação.
Entre eles está o desenvolvimento de uma rede verdadeiramente global que possa viabilizar colaborações que ultrapassem fronteiras nacionais e regionais. Mas esse tipo de parceria pode esbarrar em barreiras legais e burocráticas.
Também é difícil prever quão acessível será a tecnologia (para centros de saúde, governos e comunidades) e como será a transição da medicina para o universo 5G.
Uma pesquisa feita por mais de uma dezena de especialistas da Universidade Harvard, nos EUA, e publicada no periódico The Lancet ainda em 2015, estimou que, no mundo todo, 5 bilhões de pessoas não têm acesso a cuidados cirúrgicos seguros, sendo que os países são afetados desproporcionalmente pelo problema.
Em um território com as necessidades e o tamanho do Brasil, o 5G é uma oportunidade única para transformar a telecirurgia robótica em um procedimento mais habitual e democrático.
* Thays Takahashi é médica especializada em gestão de saúde pela Unesp e gerente de Informática Médica da CTC