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A navegação na jornada de tratamento do câncer de mama

Tendência, garantida por lei, permite à paciente contar com profissionais capazes de orientá-la do diagnóstico à terapia, oferecendo também suporte social

Por Beatriz Accioly Lins, antropóloga*
2 jul 2023, 11h31
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  • Em setembro de 2022, as brasileiras passaram a contar com mais uma ferramenta jurídica que visa à garantia do direito fundamental e constitucional ao bem-estar e à saúde.

    A Lei Nº 14.450/2022, sancionada em 21 de setembro, criou o Programa Nacional de Navegação de Pacientes para Pessoas com Neoplasia Maligna de Mama, que garante a disponibilização de acompanhamentos e abordagens individuais e customizadas, no sistema público de saúde, a mulheres com câncer de mama.

    O dispositivo aprimora e acelera os processos de diagnóstico e tratamento da doença. E tempo, sabemos, é uma variável implacável na resposta ao câncer.

    A navegação de pacientes é uma tecnologia social inovadora e disruptiva, a começar por embaralhar o nosso senso comum acerca da própria ideia de tecnologia, que costumamos associar a aparatos eletrônicos, robóticos e digitais.

    Aqui, entendemos tecnologia como formas eficientes de realizar tarefas e resolver problemas, podendo, inclusive, trazer soluções eficazes para injustiças sociais.

    A primeira experiência de navegação de pacientes aconteceu nos Estados Unidos na década de 1990 e foi conduzida por Harold Freeman, um cirurgião que atendia mulheres no Harlem.

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    O médico conduzia consultas públicas sobre câncer de mama em pacientes negras e de baixa renda, tentando mapear gargalos e soluções para lacunas do sistema de saúde.

    Ele constatou que, para além da doença, as pacientes enfrentavam barreiras socioeconômicas, culturais e experiências igualmente paralisantes, que fazem com que se percam entre os labirintos de um sistema de saúde complexo.

    Para sanar essas dificuldades, Freeman colocou um profissional dedicado à jornada de cada paciente.

    Nasciam, assim, os navegadores oncológicos, cuja função é garantir que a mulher entenda as recomendações médicas e possa acionar políticas públicas, serviços e redes de apoio.

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    + LEIA TAMBÉM: Remédio reduz risco de retorno do câncer de mama

    No Brasil, em 2020, com apoio financeiro do Instituto Avon e em parceria com a Fundação Laço Rosa e o Global Cancer Institute (GCI), foi realizado um projeto-piloto de navegação de pacientes no Hospital da Mulher Heloneida Studart (HMulher), em São João do Meriti, no estado do Rio de Janeiro.

    A experiência, conduzida pela médica Sandra Gioia, foi um sucesso.

    A navegação reduziu de 69 para 35 dias o tempo de espera para o início do tratamento entre pacientes de câncer de mama. Mais de 86% das mulheres iniciaram seus tratamentos respeitando o tempo máximo previsto na lei, isto é, até 60 dias.

    O projeto também garantiu que 100% dos casos acompanhados tivessem o diagnóstico confirmado em 30 dias, cumprindo, assim, a Lei dos 30 Dias.

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    Nunca é demais lembrar que no Brasil mais da metade das mulheres são diagnosticadas com câncer de mama em estágios avançados e a pandemia de Covid-19 só fez piorar esse cenário.

    Precisamos que a Lei Nº 14.450/2022 saia do papel e se torne política pública, com orçamento, espaços de formação, reconhecimento da especialização da pessoa navegadora e compromisso político de gestores públicos.

    O célebre poeta lusitano Fernando Pessoa em um de seus poemas mais consagrados usou o seguinte verso: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Remetendo, literal e metaforicamente, às aventuras ultramarinas dos portugueses que se lançaram aos mares a bordo de singelas caravelas de madeira, Pessoa louva a coragem diante da limitação, do mistério e das possibilidades de aumentar o mundo.

    Com todo respeito e admiração a Pessoa, proponho que, no que diz respeito às políticas públicas de atenção ao câncer de mama no Brasil, reinventemos os versos clássicos e clamemos que navegar é preciso, pois viver é preciso.

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    * Beatriz Accioly Lins é coordenadora de Parcerias, Pesquisa e Impacto no Instituto Avon. Possui doutorado e mestrado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP)

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