A COP30 e as feridas abertas no Pará
Brasil se posicionará como liderança socioambiental, mas descaso com percalços ambientais na cidade paraense de Barcarena podem manchar esse título

O Brasil se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, na cidade de Belém, no Pará.
O maior evento da área ambiental será realizado na Amazônia, centro de atenção de ambientalistas de todo o mundo por concentrar riquezas minerais, ampla biodiversidade e uma das maiores reservas de água doce do planeta.
É grande a expectativa de que o país saia do encontro reconhecido como uma liderança socioambiental. Afinal, quando as potências preferem adotar um discurso negacionista, sobram a nações como a nossa o espaço e o protagonismo para brilhar no cenário global.
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O problema da alta expectativa é que, além desse Brasil promissor e responsável, existe outro Brasil, com um histórico de impunidade de crimes ambientais e um sistema de governança que falha justamente na hora de proteger as pessoas mais carentes e mais afetadas por desastres.
E não será preciso ir longe para conhecer esse outro país. Ele está logo ali, na cidade de Barcarena, a poucos quilômetros da capital paraense, onde a conferência das Nações Unidas irá acontecer. Pertencente à região metropolitana de Belém, Barcarena convive desde o início dos anos 2000 com inúmeros percalços ambientais e descaso dos governos e da Justiça.
Sim, parte considerável desses desastres foi causada por empresas estrangeiras instaladas no local. O passivo ambiental dessas companhias inclui despejo de rejeitos tóxicos, contaminação de rios e igarapés e danos irreversíveis à saúde da população local.
A comunidade ribeirinha, que vive da água e na água, em suas casas sobre palafitas, sofre e denuncia há anos os efeitos causados pela contaminação ambiental, só que nada de efetivo acontece.
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Relatórios de instituições de pesquisa, como o Instituto Evandro Chagas, apontam níveis de toxicidade alarmantes na população.
Estudos da Fiocruz, por sua vez, mostraram que moradores de Barcarena apresentavam concentrações de metais pesados no sangue muito superiores ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O resultado não poderia ser diferente: um aumento expressivo de doenças graves, especialmente tumores gastrointestinais, leucemia e problemas renais.
O Atlas de Mortalidade do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ligado ao Ministério da Saúde, registra um crescimento superior a 600% de mortes por câncer em Barcarena entre os anos de 2000 e 2022. Esse índice está muito acima do aumento populacional, que foi de 100%.
Com a COP acontecendo no Pará, essa ferida aberta será inevitavelmente exposta, desafiando a legitimidade dos compromissos governamentais.
Resta saber se o evento que chamará a atenção do mundo todo servirá apenas para discursos e fotos ou finalmente será um marco na luta por justiça ambiental.
Ana Seleme é advogada, representante do Instituto dos Ribeirinhos do Pará (IRPA), fundadora da Frente em Defesa dos Atingidos pelo Rio Doce (FredaRio) e diretora da Frente Brasileira pelos Poupadores (Febrapo), na qual coordena o maior acordo coletivo do judiciário brasileiro