Ética na saúde: estamos fazendo nossa parte?
Médico discute como a incorporação de posturas éticas e anticorrupção na saúde é essencial para criar um sistema mais eficiente para todos os cidadãos
Com frequência, assistimos ou lemos matérias na imprensa sobre fraudes na área da saúde. Elas tratam de desvios de recursos, superfaturamento de equipamentos ou remédios, cirurgias desnecessárias, utilização de dispositivos médicos de má qualidade pelo preço dos materiais de primeira linha, reuso criminoso de materiais…. Práticas que, em comum, colocam em risco a segurança de todos nós, pacientes, e que oneram tanto o sistema público quanto o privado.
Nos últimos cinco anos, o número de pessoas com plano de saúde encolheu 7% no Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS. Fala-se em reajustes anuais muito além da inflação, inviabilizando o acesso de usuários, comprometendo a população, especialmente o grupo mais idoso, prensado pelas aposentadorias. Essas pessoas migram para o SUS, que não dá conta dos desafios.
A sustentabilidade do setor depende da atitude honesta e transparente de cada um dos atores envolvidos – médicos, hospitais, laboratórios, planos de saúde, fabricantes, importadores, distribuidores… – e de nós, cidadãos/pacientes. Com a redução de desvios e desperdícios, o dinheiro poderá ser destinado à contratação de mais profissionais e à aquisição de equipamentos modernos e novas tecnologias. Consequentemente, teremos assistência de mais qualidade oferecida a um maior número de brasileiros. Todos ganham. E esse cenário não é utópico, acredite!
Uma pesquisa sobre corrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que 10% dos seres humanos são corruptos, 10% são extremamente honestos e os outros 80% estão suscetíveis aos desvios de conduta, dependendo dos estímulos. Temos que diminuir a oportunidade para os 80%.
E é isso que o Instituto Ética Saúde tem feito nos últimos cinco anos: defender a ética e propor medidas anticorrupção na medicina. Reunimos todos os players da cadeia produtiva, com o objetivo comum de depurar o setor, além de gerar valores e iniciativas que permitam a sustentabilidade do negócio. Promovemos, de forma contínua, fóruns onde todos possam expor suas dores e sugerir soluções para o bem comum.
Na outra ponta, enquanto pacientes, precisamos também fazer nossa parte, evitando o excesso de exames — muitas vezes, os mesmos exames são solicitados por profissionais diferentes — e não aceitando a oferta de fracionar o valor de uma mesma consulta em dois ou três recibos para reembolso, por exemplo.
As pessoas devem buscar informação. Temos que desenvolver o controle social. Estas são obrigações que devemos cumprir como cidadãos, consumidores, contribuintes, pais e mães — afinal, somos referências para nossos filhos. Todos nós, ao evitarmos pequenas práticas que encarecem o sistema, estaremos disseminando a ética e ajudando a transformar o sistema de saúde no Brasil.
Para aumentar o nível de consciência de toda a população e disseminar essa cultura ética, o Instituto Ética Saúde e o Instituto Não Aceito Corrupção criaram a campanha ÉTICA NÃO É MODA, ÉTICA É SAÚDE. Ela tem como principal beneficiado o cidadão brasileiro, que precisa de assistência médica-hospitalar e, com frequência, paga muito caro para ter um tratamento de qualidade ou, então, não tem acesso a um bom atendimento na rede pública.
Nosso primeiro embaixador, o médico patologista e professor da Universidade de São Paulo, Paulo Saldiva, lembra que em um mundo extremamente desigual, a necessidade de se discutir a prática da ética na saúde é essencial para desenvolver o exercício da empatia e, principalmente, da alteridade. Para ele, “o ponto central é discutir claramente os limites do atendimento da saúde, pois num mundo onde a medicina tem um valor comercial, muitas vezes os médicos têm que optar por um tratamento que, talvez, não seja o melhor para o paciente, mas é o que pode ser pago. Isso é um dilema claramente ético.”
A ética gera economia e valor para toda a cadeia. Através da união de esforços é que podemos fazer a diferença. O Brasil está mudando e a agenda de um país sustentável é urgente. A palavra compliance – que traduz um comportamento de integridade – virou moda e hoje é bastante utilizada em todos os meios. Mas, na prática, estamos fazendo nossa parte como profissionais, como executivos e como cidadãos?
* Dr. Sérgio Madeira é médico e diretor técnico do Instituto Ética Saúde