O gastroenterologista Alessio Fasano, diretor do Centro de Pesquisas Celíacas do Hospital Geral de Massachusetts e professor de pediatria da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, é reconhecido como uma das maiores autoridades mundiais em glúten. Com mais de 240 pesquisas publicadas, o especialista realizou grandes levantamentos sobre a doença celíaca e descobriu detalhes sobre o que acontece no intestino de indivíduos diagnosticados com o problema. O médico também acaba de lançar no Brasil o livro Dieta Sem Glúten: Um Guia Essencial para uma Vida Saudável (Editora Madras). Ele conversou com SAÚDE para a matéria de capa da edição de fevereiro, que está à venda nas bancas de todo o país e para dispositivos digitais no iba, na App Store e no Google Play.
O glúten é um vilão de nossa dieta?
Para algumas pessoas, sim. Ele causa prejuízos a indivíduos com doença celíaca ou sensibilidade. E a única forma de tratar isso é a remoção total do glúten. Também temos que levar em consideração evidências que acusam a proteína de desencadear obesidade, autismo e outras complicações. Mas, por ora, essas são apenas hipóteses.
Existe uma maneira de diagnosticar a sensibilidade não celíaca?
Por enquanto, não. Muitos grupos de cientistas trabalham nesse sentido, inclusive nós do Hospital Geral de Massachusetts. Por enquanto, as recomendações para diagnosticar o quadro envolvem o exame clínico e a exclusão de outros problemas de saúde. Mas esse processo é natural, quando vemos que há um ano e meio atrás não sabíamos quase nada sobre a sensibilidade não celíaca ao glúten. Do mesmo modo que aprendemos muito sobre a doença celíaca e hoje temos exames para diagnosticá-la, vamos descobrir novas coisas sobre essa condição em breve.
A sensibilidade não celíaca poderia ser causada por outros compostos da comida além do glúten?
O trabalho e o entendimento sobre a sensibilidade ainda estão em progresso. Existe na classe médica um grande nível de confusão entre o que é a sensibilidade e o que é a intolerância. A intolerância é quando você não tem uma enzima para digerir um nutriente. É o caso, por exemplo, da lactose, em que a pessoa não produz um composto chamado lactase para quebrar o açúcar do leite. Nesse caso, os sintomas são apenas gastrointestinais. Quando falamos em glúten, estamos falando em sensibilidade. Aqui, estão envolvidos outros fatores, como o sistema imune e um processo inflamatório. O indivíduo tem sintomas que vão além do intestino, como dores de cabeça e problemas na pele, que não poderiam ser explicados apenas pela intolerância.
Há um fator psicológico envolvido?
As únicas maneiras de identificar a sensibilidade seriam descobrir um marcador no sangue ou fazer testes para analisar o organismo sensível. Como não temos essa tecnologia, é provável que uma parcela de pacientes tenha um componente emocional por trás dos sintomas.
Existe um conflito estatístico entre o número de celíacos ou sensíveis e o número de pessoas que quer cortar o glúten da dieta?
Existem três condições em que realmente há necessidade de abandonar o glúten: a doença celíaca, a sensibilidade e a alergia ao trigo. Porém, ultimamente vemos que entrou na moda a dieta sem glúten. Isso aconteceu quando celebridades disseram que cortar a proteína é uma coisa boa para a sua saúde. As pessoas buscam um estilo de vida da moda. Mas é provável que isso fique menos popular com o passar do tempo.
Como encarar as dietas que indicam eliminar o glúten para perder peso?
Se você trocar alimentos regulares por produtos sem glúten vai até ganhar quilos. Eles possuem mais calorias que as versões normais. Por outro lado, se excluir o glúten significa estabelecer hábitos saudáveis, como abandonar opções industrializadas, há muitos pontos positivos para sua vida e, óbvio, isso auxilia a emagrecer.
Quais são os próximos passos na pesquisa sobre a sensibilidade ao glúten?
Sem dúvida é encontrar uma maneira de diagnosticar o problema. Enquanto não tivermos um teste certeiro, estaremos subjugados à possibilidade de casos em que o problema é psicológico. Para desenvolver essa ferramenta, precisamos entender mais a fundo o mecanismo fisiológico da sensibilidade.
Quando a pessoa deve realmente cortar o glúten?
Se o sujeito acha que o glúten está causando algum problema à sua saúde, a primeira coisa que ele precisa fazer é procurar o médico. É realmente muito perigoso cortar a proteína sem a orientação de um profissional. Se você se livrar dele por conta própria, o médico não terá as ferramentas para diagnosticar corretamente o que está acontecendo no intestino. A minha mensagem final, então, é procurar o médico primeiro e, caso seja realmente necessário, retirar o glúten.
Alessio Fasano é gastroenterologista e diretor do Centro de Pesquisas Celíacas do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos.
Dieta Sem Glúten: Um Guia Essencial para uma Vida Saudável
Alessio Fasano
Editora Madras
344 páginas
Confira a terceira entrevista da série, com o gastroenterologista australiano Peter Gibson.
Você também pode ler a primeira entrevista, com o filósofo americano Alan Levinovitz. E participe da nossa enquete e do quiz que fizemos sobre o assunto.