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Quem vê cara não vê nutriente

Escolher frutas e legumes só pela aparência contribui para o desperdício. Conheça a onda em defesa dos alimentos mirrados ou com formato estranho

Por Andressa Basilio (colaboradora)
Atualizado em 3 ago 2018, 10h56 - Publicado em 13 Maio 2016, 09h57
Bruno Marçal / Ilustração: Mayla Tanferri
Bruno Marçal / Ilustração: Mayla Tanferri (/)
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“Me vê uma manga bonita, por favor?”, pede um rapaz ao feirante Luiz Souza Silva, de 47 anos. Ao receber o produto já dentro da sacola, o moço paga e vai embora. E Silva se apressa para explicar: “Fruta bonita precisa ser lustrosa por fora, ter brilho, e sabor por dentro. As nossas são todas assim, o cliente nem precisa escolher muito”. Mais que papo de vendedor, ele sabe bem que uma das poucas coisas que não mudaram nos 25 anos em que mantém sua barraca na feira livre do Pacaembu, em São Paulo, é a preferência por alimentos de encher os olhos. O que pouca gente imagina é que, nesse campo, as aparências podem, sim, enganar. Nem sempre o vegetal mais bonito é o de melhor qualidade. “Basta ver os orgânicos, que costumam ser menores e mais feios, mas ao mesmo tempo são mais saudáveis porque não levam agrotóxicos”, nota a nutricionista Elke Stedefeldt, da Universidade Federal de São Paulo.

Dar atenção à batata mirrada, à mandioquinha com apêndice ou à ameixa cheia de pintas é um ato de consumo consciente. Seu corpo sai ganhando com os nutrientes. E o planeta, com a redução do desperdício. Segundo a Organização das Nações Unidas, quase metade da comida produzida no mundo vai para o lixo. E o Brasil é um dos recordistas: são 41 mil toneladas diárias perdidas. Daria para matar a fome de 125 milhões de pessoas! De acordo com a ONG Banco de Alimentos, 45% da comida que acaba nos lixões é composta de frutas, legumes e folhas. “Há problema em todas as etapas da cadeia produtiva, da colheita à distribuição, e até em nossas casas”, conta a economista Luciana Quintão, presidente da ONG. “Vivemos o paradoxo de ser o 4º maior produtor de alimentos do mundo e o 6º em subnutrição”, diz.

Um movimento mundial recente percebeu que, para reverter esse cenário, é preciso conscientizar o consumidor. Associações como Les Gueles Cassés (Os Caras Feias), na França, Fruta Feia, em Portugal, e Second Bite (Segunda Mordida), na Austrália, incentivam a ruptura com o modelo industrial que valoriza a padronização dos alimentos e despreza os que não foram agraciados esteticamente. Por aqui, alguns supermercados e hortifrútis já comercializam os feinhos com descontos de até 40%. E a startup paulistana Fruta Imperfeita faz parceria com produtores rurais para vender cestas com alimentos em geral rejeitados. “Para atingir o padrão, agricultores adotam práticas como uso de adubo químico ou colheita antes da hora, o que piora a qualidade do alimento. Temos de repensar se o caminho é esse mesmo ou se não seria melhor mudar nossa mentalidade”, questiona Roberto Matsuda, o idealizador da startup.

Além de não se guiar apenas pelo visual do alimento, uma medida valiosa para conciliar as vantagens nutricionais e um consumo sustentável é priorizar a compra dos itens de acordo com as safras. “Os vegetais vendidos fora de época costumam ter seu crescimento estimulado pelo uso de agrotóxicos. Além de serem mais caros, não são as opções mais saudáveis”, afirma a médica Marcela Voris, da Associação Brasileira de Nutrologia. Por isso, se o tempo é bom para caqui, por que encher a fruteira de jabuticaba? Além disso, quanto mais madura a fruta, melhores o aroma, o sabor e a carga de nutrientes.

Por falar em fruteira cheia, aqui também cabe um aviso. Um levantamento feito pelo Instituto Akatu ainda em 2011 mostrou que, nas casas, a maior parte dos alimentos é perdida antes mesmo de eles serem preparados, devido ao armazenamento irregular ou à demora para comer. Para não transformar sua residência em uma usina de desperdício, a coordenadora de educação do instituto, Denise Conselheiro, orienta: “Compre apenas o necessário para o consumo em curto prazo. É preferível comprar em menor quantidade e mais vezes na semana”. Se você é do tipo que não abre mão de um reabastecimento mais duradouro, a dica é adquirir frutos e legumes com diferentes graus de maturação.

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Quem ama o feio…

Obviamente, ninguém deve sair pelos mercados catando restos ou produtos com sinais de estrago. É importante, sim, distinguir um alimento fora do padrão estético de outro inapropriado para consumo. Uma boa olhadela costuma ser suficiente para detectar indícios de deterioração, como cores estranhas, buracos e áreas murchas. “Se a casca está íntegra e não há vestígios de material estranho, como sujeira, insetos ou larvas, dá pra levar sem problemas”, diz a nutricionista Norka Beatriz González, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu.

A presença de manchas e pintas em frutas e verduras também não é motivo para esnobar o alimento — ou, em casa, retalhá-lo com a faca. Segundo o engenheiro agrônomo Flávio Trevisan, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, a maioria dessas marcas é obra da natureza. “O contato das folhas da bananeira com o cacho propicia pequenas pintinhas na fruta, mas isso não muda em nada suas características nutricionais”, exemplifica. O alerta só deve soar quando o tom manchado vem acompanhado de consistência pastosa ou bolor. Isso sinaliza que o alimento está contaminado por micro-organismos.

No momento da compra, também vale refletir sobre o uso que você vai dar ao alimento. Ninguém quer usar morangos miúdos e disformes para enfeitar uma torta, mas eles vão muito bem batidos em uma vitamina. Do mesmo jeito, os vegetais mais tortinhos podem ser utilizados em farofas, sopas e purês. A alface não enche os olhos? Experimente picá-la em pedacinhos. Já as frutas podem ser usadas em sucos, geleias e compotas. O que não pode faltar é criatividade.

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O último passo para quem quer aderir de vez ao consumo sustentável é tentar aproveitar o máximo dos alimentos. Isso significa comer, quando possível, polpa, casca e semente. “Descascar maçã, batata e cenoura é algo comum, mas não deveria. Como é na casca que fica a maior parte das propriedades, jogar isso fora é um desperdício nutricional“, diz Simone Hickmann Flores, professora do Departamento de Ciência dos Alimentos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Ao botar na cabeça que é preciso vencer o desperdício em todos os sentidos, ficará mais fácil inclusive alcançar a recomendação na ingestão de vegetais. “Para garantir saúde de ferro, é aconselhável incluir no cardápio diário três porções de legumes e verduras e três porções de frutas”, aponta a nutricionista Aurea Juliana Bombo, professora da Faculdade São Camilo, na capital paulista. Ora, consumo consciente significa se preocupar com a natureza e o mundo ao redor, mas também com o seu organismo.

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