Diversas pesquisas apontam que os sonhos podem sinalizar males como Alzheimer, Parkinson e até depressão.
Ilustração: Milton Rodrigues Alves
Na Grécia antiga, encontrar o tratamento para uma doença era relativamente simples: bastava passar uma ou várias noites no templo de Asclépio, o deus da medicina, e, ao acordar, expor o que se havia sonhado a um sacerdote capaz de apontar o caminho da cura. Mal previam os gregos que práticas semelhantes começariam a ser usadas em pleno século 21 para identificar transtornos na cabeça. Mas com uma diferença um tanto significativa: agora, a leitura dos sonhos vem contemplada com uma dose generosa de tecnologia.
Exemplo disso vem de uma pesquisa das universidades federais do Rio Grande do Norte e de Pernambuco. Os neurocientistas gravaram o relato de histórias e imagens oníricas de 60 pessoas, sendo que algumas eram portadoras de esquizofrenia, outras de transtorno bipolar, e uma terceira parcela não apresentava desordens mentais. Usando um programa de computador que transformava a fala dos voluntários em diagramas – nos quais cada palavra era representada por um ponto, e a sequência entre elas, por setas -, a equipe notou que, ao narrarem o que haviam sonhado, pacientes esquizofrênicos e bipolares geravam gráficos distintos. “O discurso de ambos os grupos já era em si bastante diferente”, conta a psiquiatra Natália Mota, principal autora da investigação. Com os diagramas em mãos, foi possível diagnosticar os dois distúrbios de forma mais precisa. Um achado nada desprezível, já que eles possuem sintomas parecidos e que dificultam bater o martelo em suas fases iniciais.
Parkinson e Alzheimer
A sequência de imagens exibidas à mente enquanto dormimos também sinalizaria o aparecimento de males neurológicos, como Parkinson e Alzheimer. É o que sugere um trabalho liderado pela Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Os cientistas perceberam que um dos seus primeiros sinais pode ser o chamado distúrbio comportamental do sono REM, no qual o indivíduo perde o marasmo completo típico desse momento e passa a vivenciar seus sonhos (muitas vezes violentos) e se debater. “Pacientes que sempre sonham com lutas e agressões devem ser avaliados nesse sentido”, alerta o neurologista Luciano Pinto, expert em medicina do sono da Academia Brasileira de Neurologia.
Já há indícios, aliás, de que outras encrencas cerebrais – tais quais depressão e enxaqueca – se manifestem nesses filmes a que assistimos de olhos pregados.
É preciso estudar mais
Para muitos médicos, a vocação clínica dos sonhos tem um longo caminho antes de chegar ao consultório. “Os estudos ainda não dão completa evidência de que isso possa ser usado como meio diagnóstico”, diz o neurocirurgião Antônio De Salles, coordenador do Núcleo de Neurociência do Hospital do Coração, em São Paulo. À espera de novos dados e respostas, talvez já valha a pena dar mais atenção ao que se passa na nossa cabeça na hora do sono. Afinal, apoiada em ciência de ponta, a medicina dos sonhos parece estar na rota certa para virar realidade.