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O que é um relacionamento abusivo? Livro ensina a identificar sinais

Em “O amor não dói”, psicoterapeuta explica também o que leva muitas mulheres a conviverem com abusos nas relações amorosas

Por Maria Tereza Santos
Atualizado em 20 ago 2020, 12h26 - Publicado em 14 ago 2020, 11h56

Além de lidar com o medo de se infectar com o novo coronavírus, o sexo feminino infelizmente está sofrendo com mais um problema durante a pandemia. De acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve um crescimento de 27% das denúncias de violência contra as mulheres de abril a março de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. As queixas aconteceram pelo número 180.

A agressão física não é a única forma de violência contra as mulheres: há a psicológica, a sexual, a moral e a patrimonial. Todas elas são consequências de um relacionamento abusivo. Só que uma parcela das vítimas não consegue identificar que está vivendo esse tipo de relação com seu companheiro.

De olho nisso, a psicoterapeuta Anahy D’Amico, de São Paulo, decidiu escrever um livro sobre o tema. “O amor não dói”, publicado pelo selo Paidós da Editora Planeta (clique aqui para ver e comprar), é a obra de estreia da especialista, conhecida por participar do programa “Casos de Família”, no SBT. Além disso, ela atende em consultório e tem um canal no Youtube, que já conta com mais de 900 mil inscritos.

VEJA SAÚDE conversou com Anahy para entender melhor o que caracteriza um relacionamento abusivo e se é possível preveni-lo:

VEJA SAÚDE: Por que você escolheu as relações abusivas como tema do seu primeiro livro?

Anahy D’Amico: Esse é um tema muito recorrente no “Casos de Família”. Comecei a perceber que ele atingia não só aquele público ou os participantes, mas a sociedade como um todo. E nem sempre se tratava de violência física, mas havia a patrimonial, a psicológica… Em paralelo, temos visto cada vez mais casos de feminicídio.

Fui analisando a criação das mulheres, que é muito baseada em ser dependente de um homem, querer ser salva por ele e constituir família. Só que muitas não têm bons modelos, ou seja, um repertório saudável sobre relacionamento.

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Então, achei que o primeiro livro tinha que ser sobre isso. Vejo a população feminina pedindo socorro o tempo todo. Isso foi me incomodando, porque acredito que elas têm plenas condições de se proteger e de escolher uma vida diferente. Empoderamento é entender que não precisamos ser salvas por ninguém: a gente se salva sozinha.

Esse livro é um alerta para elas entenderem como funcionam os abusos, mas também é para os homens. Quem abusa precisa de ajuda.

Como podemos identificar que estamos vivendo um relacionamento abusivo?

Há muitos sinais, porque o abuso não significa uma agressão “do nada”. Ninguém chega dando tapa na cara da namorada. Até porque, se fizer isso, ela vai cair fora. Então, o abuso pode culminar na violência física, mas ele começa com as formas verbal e psicológica.

Dito isso, é muito importante notar que existe um mito de que ciúme é um sinal de amor. Isso não é verdade. Muito ciúme não quer dizer mais amor, e sim que a pessoa está te manipulando. Esse abuso acontece pelo controle, e é representado por falas como “eu te amo tanto que te quero só para mim” ou “eu te amo tanto que vou te dar tudo, então não quero que você trabalhe”.

A mulher passa a ser cerceada. Não possui mais independência financeira, não consegue ir e vir porque tudo gera briga. E, em nome do amor – até porque foi ensinada que é necessário abrir mão de coisas para fazer o casamento dar certo –, ela vai se anulando.

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Aí, o abusador começa a expressar coisas como “sua amiga não presta”, “sua família não gosta de mim, não quero que você vá lá”, “para que sair com amiga para jantar? Janta comigo, eu saio com você”. O abuso tira toda a rede apoio dela.

Também há muito “gaslighting”, que significa fazer a mulher acreditar que perdeu o senso crítico. O companheiro fala que ela nunca entende de verdade o que ele diz. Um exemplo: “Comentei que você está gorda, mas foi brincadeira, você que não entendeu”. Ela vai, assim, desacreditando da própria percepção. Ao longo do tempo, isso vai fragilizando-a de uma maneira que, quando se dá conta, já está com depressão e pânico, afastada de todo mundo.

O abuso sexual é outra coisa que vemos muito nos casamentos. Às vezes, a esposa não deseja transar e o marido fala “você é minha, precisa fazer o que eu quero”. Isso é estupro! O casamento não significa que a mulher deve fazer o que não tem vontade nem que o homem pode fazer tudo que quiser.

E por que é tão difícil sair de uma situação assim?

Quando a mulher tenta, não consegue. Criou uma dependência emocional. E aí, começa a ouvir do parceiro que, se ele não a quiser mais, ninguém vai querer também, porque ela é desinteressante. Ora, se ela permanece só dentro de casa, é claro que falará só do filho, dos afazeres domésticos e do cachorro.

Se acontece uma traição, é o momento em que escuta “você está louca, eu não fiz nada disso, está vendo coisa!”. Enfim, vai perdendo o senso crítico e se abandonando. Isso não acontece de uma vez, são doses diárias.

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No livro, você fala sobre como contos de fada, filmes e séries influenciam nossa ideia do que é um bom relacionamento. Como as histórias de amor deveriam ser apresentadas?

Deveriam ser apresentadas de uma maneira mais igualitária. Veja: todos os contos de fada foram escritos por homens. Eles criaram a ideia da princesa linda, rica e perfeita, mas que está sempre em perigo e, por isso, será salva por um príncipe supereducado, carinhoso e que morre de amor por ela. No fim, eles serão felizes para sempre.

Nada é mais equivocado do que isso, porque não há príncipe nem princesa, e sim seres humanos que precisam se respeitar. Só que essa ideia de a mulher encontrar um homem magnífico com quem ela será feliz eternamente está incutida no imaginário feminino.

O que existe, na verdade, é uma construção diária de um relacionamento satisfatório.

Eu sou extremamente a favor de casamento e constituição de família, assim como acho maravilhoso quem não quer nada disso. Temos que aprender a respeitar posições, e não vejo isso acontecendo.

As mulheres entram em pânico se, em determinado momento da vida, ainda não casaram. Começam a correr contra o relógio como se isso fosse obrigatório.

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Ninguém perde valor porque não tem um homem ao lado. Nós somos inteiras e não necessitamos de uma “metade da laranja” – o mesmo vale para eles. São construções sociais que precisamos desmitificar. Não é preciso ser contra. Basta entender que há quem não queira viver assim.

Como podemos ajudar se soubermos de alguma amiga ou familiar que está vivendo um relacionamento abusivo?

Devemos alertar, porque quem está de fora percebe com mais facilidade. Por exemplo: quando a mulher falar “olha como ele me ama! Não me deixa sair de casa, só se for com ele”. Aí, é possível trazer questionamentos: “Mas você acha isso legal? Porque o amor é livre, generoso, carinhoso, gentil”.

Nós temos que fazer uma visita, pontuar algumas coisas. Existem mulheres que ficam tão desnorteadas que rejeitam esses comentários. Porque é muito difícil admitir que você não está num relacionamento legal, que há coisas erradas e que você precisa tomar uma atitude. É complicado, porque a mulher vai ficando fragilizada e se sentindo sozinha.

No livro, aconselho o seguinte: se você estiver se sentindo completamente perdida na situação, apele para o coração. Você sente quando não está feliz.

Depois que a mulher se livra de um relacionamento abusivo, o que ela deve fazer para não entrar em outro?

Isso é de fato recorrente. A mulher consegue sair de um relacionamento abusivo e já se enfia em outro. Possuímos uma tendência de repetir comportamentos. Mas, quando a gente consegue entender o padrão, fica mais fácil não ter recaída.

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No relacionamento abusivo, sofremos uma espécie de lavagem cerebral. Você passa a achar que é um ser dependente e que não consegue ficar sozinha.

Então, o primeiro passo é “fechar para balanço”, isto é, entender como funcionou aquela relação e avaliar o que você não quer mais para sua vida. Fique sozinha, procure amigas, vá se divertir, busque um trabalho, estude e procure a ajuda da família e dos amigos.

É necessário buscar toda essa rede protetiva de apoio para ir se fortalecendo. E, obviamente, fazer terapia seria o ideal para entender esse processo.

Você acha que o amparo oferecido pelo Estado brasileiro para mulheres que sofrem violência doméstica funciona bem? Tem algo que acredita que precisa melhorar?

Acredito que é preciso realmente ter toda uma rede de apoio. No sentido de, por exemplo, oferecer uma colocação de trabalho e uma medida efetiva de proteção, porque muitas vezes as mulheres morrem.

Mas há cada vez mais formas de ajuda. Vejo um esforço. A gente possui muito contato com ONGs no programa, então dá para perceber que há uma mobilização maior.

A população feminina tem que se proteger em primeiro lugar. A ideia que quero passar é essa. É complicado falar isso, porque parece que estou culpando a vítima. Pelo contrário: nunca se culpa a vítima, de maneira nenhuma. Mas existe uma escolha anterior. É por isso que eu falo dos passos do abusador, porque ele dá sinais.

É claro que existem homens que são maravilhosos e viram “bichos” depois que casam, mas, quando a mulher detecta sinais de abuso, tem o poder de sair daquilo. Que ela não fique dando chance, que não ache que o amor vai curar tudo. Existe uma autoproteção muito necessária para evitar abuso.

Vejo que muitas ignoram completamente os sinais. Acham que, quando casar, será melhor, quando, na verdade, a situação só piora.

Se o homem fala coisas como “não usa essa saia, está muito curta” e a mulher cede, ele vai se sentindo com permissão e força para continuar exercendo o controle. Temos que entender isso em primeiríssimo lugar.

Como podemos criar as meninas hoje para que elas não se submetam a relações abusivas e os meninos para que eles não se tornem abusadores?

Um grande problema é que, aos meninos, se ensina que a força traz respeito e, às meninas, que a sensibilidade e a meiguice estimulam amor. Assim, incentivamos nossas filhas a serem submissas sem perceber. Ninguém faz isso de propósito, porque nós fomos educados por pais que representavam comportamentos machistas. Isso é social.

A menina pode brincar com o que quiser. Temos que parar de dar somente panela e boneca para ela se divertir. É preciso oferecer jogos e brinquedos que instiguem a imaginação, deixá-la aprender lutas, etc. Essa história de “coisa de menino e de menina” precisa acabar.

Ao trabalhar em escolas, já vi situações em que o menino batia na menina e diziam a ela “não fica triste, é que ele gosta de você”. Então, você ensina que quem ama bate? É preciso falar que isso não é bacana. Temos que ensinar que o corpo dela é sagrado, ninguém vai tocar se ela não deixar.

Também é essencial avisar para o filho que ele pode chorar e demonstrar sentimentos, porque os meninos também sofrem nessa educação.

Esse tema tem sido mais discutido hoje, principalmente por causa da internet. Como você enxerga isso?

Ajuda muito, porque isso sempre foi um assunto fechado. As mulheres sofriam quietas, tinham vergonha de falar ou nem percebiam o que se passava. Mas, agora, elas estão começando a despertar. Acho que, no final, é bem positivo.

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