Foto: Edu Svezia
Há três meses, nos Estados Unidos, um grupo de pacientes procurou a FDA, a poderosa agência que regula remédios e alimentos no país. Eles já não viam o mundo com os mesmos olhos do passado, alegaram numa queixa. Nenhum deles usava óculos. E seus integrantes reclamavam que, depois de terem se submetido à cirurgia a laser com o método Lasik para abandonar as lentes corretivas, passaram a penar com sintomas como olho seco e embaçamento da visão. “Isso levou a uma sindicância para reavaliar os resultados da técnica e checar até que ponto ela é de fato benéfica”, diz o especialista Renato Ambrósio Júnior, membro da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, resumindo o qüiproquó aos leitores de SAÚDE!
O Lasik consiste em aplicar o laser para remodelar a córnea de maneira a mudar o ponto em que o olho foca os objetos e corrigir o grau de miopia, hipermetropia e astigmatismo. Em condições ideais, essa alteração é feita para que a luz incida perfeitamente sobre a retina. Para isso, o cirurgião corta a camada mais superficial da córnea com um instrumento chamado microcerátomo. Em seguida, levanta a lamela de tecido para que o laser possa recriar o formato da córnea, e a recoloca no seu devido lugar, como se fosse uma tampa de laranja.
Logo especialistas de todo o planeta passaram a dominar a técnica e a indicá-la a um grande número de pacientes pelo jeito, até mesmo para aqueles que, como se viu depois, não poderiam se submeter a ela. “Com tanta gente sendo operada, os problemas mais cedo ou mais tarde iriam aparecer”, nota Newton Kara José, professor titular de oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Uma das complicações mais freqüentes da operação é o olho seco. Ao usar o microcerátomo, grande número de fibras nervosas que passam na córnea é cortado sem dó nem piedade. Há um impacto significativo na produção de lágrima. “Além disso, ao mudar a forma da córnea, o Lasik também altera a distribuição desse fluido, agravando o problema”, justifica Ambrósio Júnior, que publicou em abril um estudo sobre o assunto na revista científica americana Journal of Refractive Surgery.
“Cem por cento dos pacientes vão apresentar olho seco depois da operação com o Lasik”, vai logo dizendo o oftalmologista Paulo Schor, que é livredocente do curso de pós-graduação da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Mas, ressalva, a encrenca não dura para sempre. Pelo menos na maior parte dos casos, os nervos se regeneram entre três e seis meses. Daí os sintomas acabam.
Schor concorda, no entanto, que a massificação do Lasik criou a ideia de que essa é uma operação simples e segura. Ora, não existe nenhum procedimento médico que seja totalmente livre de riscos. A cirurgia em questão, quando bem indicada, traz ótimos resultados. Mas só quando bem indicada, faz questão de frisar. Além disso, o cirurgião tem que avisar o paciente sobre complicações que vão bem além do olho seco. Muitos passam a enxergar um halo em volta das lâmpadas, enquanto outros sentem mais dificuldade para dirigir à noite, exemplifica. Sem contar uma terrível fotofobia.
Kara José ressalta a importância de avaliar muitíssimo bem os casos que se prestam ou não a esse tipo de cirurgia. Ainda é difícil afirmar quando não haverá complicações no longo prazo, explica. E, como vem aumentando a procura do método por razões meramente estéticas, cresce a responsabilidade do médico na hora de orientar seus pacientes.
Em favor do Lasik, vale lembrar que, em 2005, estudos demonstraram que a maior parte daqueles que se submeteram ao método relataram uma melhora significativa na qualidade de vida. De qualquer forma, ele está longe de ser uma panacéia. O Lasik evoluiu e ficou mais eficiente, mas nem por isso há garantia de sucesso absoluto.