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A saúde coberta de lama

O rompimento de uma barragem em Mariana (MG) criou um drama ambiental sem precedentes no país e a contaminação da região por dejetos de minérios também coloca em risco o organismo da população | por Sílvia Lisboa e Carla Ruas

Por Redação Saúde é Vital
Atualizado em 27 out 2016, 20h54 - Publicado em 13 jan 2016, 12h40

O maior desastre ambiental do Brasil arrasou um ecossistema, matou pessoas e deixou milhares sem casa. Um mês  após a tragédia na área central do estado mineiro, três moradores da região seguiam em observação médica com um quadro de enjoos e diarreia. Exames de sangue mostraram que eles tinham altos níveis de ferro no corpo — resultado do contato direto com resíduos de mineração que se espalharam com o rompimento da barragem da Samarco na cidade de Mariana.

Esses foram os primeiros casos de contaminação por metais pesados registrados na população local, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. “Os sobreviventes tiveram de passar por uma lavagem gastrointestinal para eliminar esses elementos do organismo”, relata o médico Tarcísio Pinheiro, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Até o final de novembro, as autoridades contabilizaram mais de 450 atendimentos às vítimas desse episódio catastrófico.

A apreensão dos especialistas diz respeito a quais elementos tóxicos se escondem no que restou da avalanche de 62 milhões de metros cúbicos de dejetos de minérios, que já percorreu quase mil quilômetros e atravessou até o Espírito Santo. Apesar de a Samarco, empresa responsável pela barragem, afirmar que os rejeitos não são perigosos, laudos de dois laboratórios ligados a órgãos estaduais constataram na lama a presença de metais pesados em níveis que extrapolam mais de mil vezes os índices permitidos. Ou seja, tudo leva a crer que esse barro seria realmente tóxico. Isso tem a ver, na verdade, com a atividade mineradora da região. “Há evidências de que a extração de ferro gera, sim, resíduos com metais pesados”, aponta a toxicologista Sandra Farsky, da Universidade de São Paulo (USP).

As análises divulgadas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) do município de Baixo Guandu, no Espírito Santo, e pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas, o Igam, acusam taxas alarmantes de arsênio, alumínio, chumbo, cromo, mercúrio, manganês e níquel. Uma das amostras, colhida em 10 de novembro em Governador Valadares (MG), apresentou valores de arsênio que superavam 625 vezes o limite. Os de chumbo estavam 100 vezes maior que o permitido, e os de alumínio, 17 vezes acima do aceitável.

Em uma das inspeções do Igam, os índices de mercúrio em um dos pontos ultrapassavam 1 200 vezes o que seria tolerável. Chumbo e alumínio exibiam, por sua vez, níveis 322 e 165 vezes maiores que o permitido. Com base nesses dados, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um comunicado afirmando que a lama é perigosa e pedindo ao governo e à Samarco “que tomem medidas imediatas para proteger o meio ambiente e a saúde das comunidades…”

A preocupação das autoridades não é exagerada: a intoxicação por metais pesados pode provocar danos por todo o organismo. O mercúrio causa déficits neurológicos tão severos que são capazes de levar à morte. No Japão, o envenenamento pela substância matou diversos pescadores que, sem saber, consumiram por duas décadas peixes de um rio contaminado com o elemento. Já a exposição ao arsênio leva a sérias doenças de pele, inclusive tumores. Também afeta o sistema nervoso, a exemplo do alumínio e do chumbo, que continuam com índices elevados na última análise do Igam após o rompimento da barragem da Samarco.

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A questão é que os efeitos dos metais pesados também podem levar décadas para se manifestar. “Na maioria das vezes, a contaminação é cumulativa e ocorre ao longo dos anos por meio da ingestão de água ou alimentos plantados em solos impróprios”, esclarece o biólogo Mario Avila-Campos, da USP. Foi o que ocorreu com os habitantes de Recanto dos Pássaros, em Paulínia, no interior paulista. Durante 25 anos, eles foram expostos à infiltração de inseticidas organoclorados na terra — os compostos vazaram de rachaduras em uma piscina de contenção de uma fábrica. Somente no final desse período, depois de registrar um aumento anormal nos casos de problemas de pele, alterações neurológicas e câncer de fígado e tireoide, diagnosticou-se que mais da metade dos adultos e das crianças do bairro exibia índices exacerbados de metais pesados no organismo, como arsênio, alumínio, cádmio, chumbo e manganês. Detalhe: são os mesmos encontrados em avaliações na área do Rio Doce.

Guerra de versões
Em resposta ao comunicado da ONU denunciando a toxicidade da lama, a Samarco divulgou, em nota e sem detalhamento dos índices, os resultados de análises do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da SGS Geosol, empresa especializada em análises ambientais. Ambos indicam que “não há aumento da presença de metais que poderiam contaminar a água” em nenhum dos sedimentos do Rio Doce e dos rejeitos da barragem. O laudo do CPRM compara os dados pós-rompimento com amostras coletadas em 2010.

Pois é, existe uma contradição entre esses resultados e outros apresentados por institutos sem ligação com a Samarco. “É preciso eleger um laudo confiável para basear estratégias de remediação dos danos e proteção à população”, argumenta Avila-Campos. “E isso ainda não está sendo feito”, lamenta. A farmacêutica Sandra Farsky lembra que os laboratórios precisam ter certificação pelo Inmetro, que atesta a qualidade das medições. “A SGS Geosol, contratada pela Samarco, não é certificada pelo órgão”, afirma.

Os metais pesados existem em abundância na natureza. Quando os níveis estão dentro dos padrões permitidos, não há perigo à saúde. A questão é que esses elementos não somem do dia para a noite. Ao contrário, acumulam-se com facilidade no solo de um rio e na vegetação, podendo envenenar plantas e animais. Na última investigação divulgada pelo Igam, os índices de arsênio, cádmio, mercúrio e níquel no Rio Doce até haviam caído. Só que isso não significa que os riscos de contaminação humana estão solucionados. Uma queda no pH da água pode fazer os metais se soltarem das rochas onde ficam aderidos. Aí eles voltam a ser flagrados pelas medições e a atormentar a população local.

Por essas e outras, as inspeções da água no Rio Doce e seus afluentes, bem como do solo, precisarão virar rotina. “A legislação prevê uma análise completa da água apenas duas vezes por ano”, diz Luciano Magalhães, diretor da Saae de Baixo Guandu, no Espírito Santo. “Mas seria preciso um acompanhamento quase diário porque esse material tóxico fica depositado no fundo do rio”, preocupa-se. Para evitar que o maior desastre ambiental do país se transforme em uma tragédia de saúde pública, o controle terá de ser contínuo. Confira abaixo o que a presença exagerada de certos metais pesados pode causar no seu organismo:

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Arsênio

O elemento provoca vômitos e diarreia após a ingestão. A longo prazo, está associado ao surgimento de câncer de pele, bexiga e pulmão, além de danos cardíacos e neurológicos.

Mercúrio
Está ligado a problemas muito sérios no cérebro e tem repercussões nos sistemas digestivo e imunológico. É especialmente nocivo durante a gestação: bebês podem nascer com doenças neurológicas.

Chumbo e alumínio
O primeiro chega a se depositar no cérebro, nos ossos e nos rins. Em crianças, pode levar a retardo mental. Já a intoxicação por alumínio causa perda de memória, confusão e dores de cabeça.

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