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Ozempic e Mounjaro mexem com o seu cérebro — e esse é o segredo deles

Uma das principais zonas de ação dos novos medicamentos para perda de peso é o hipotálamo, a central que regula nosso apetite e saciedade

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 Maio 2025, 11h52 - Publicado em 7 Maio 2025, 11h42
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Impacto na massa cinzenta: medicamentos como semaglutida e tirzepatida têm ação numa área chamada hipotálamo, responsável pelo balanço energético (Foto: Ricardo Davino/SAÚDE é Vital)
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Boa parte das engrenagens do corpo humano funciona na base de um esquema aparentemente simples: chave-fechadura. Se você tem a molécula certa conectada ao receptor certo na superfície da célula certa, acionará um maquinário de reações e terá a resposta esperada.

Com o GLP-1, um hormônio fabricado pelo intestino, as coisas também funcionam assim. Ele cai na circulação e, se achar um receptor celular para chamar de seu, vai se grudar nele. Chave-fechadura.

GLP-1 se tornou uma das siglas mais famosas dentro e fora da medicina nos últimos tempos. Se dissermos que ela remete a uma substância chamada peptídeo semelhante ao glucagon-1, ninguém vai dar bola. Mas, se falarmos que tem tudo a ver com o ingrediente de Ozempic, Wegovy e Mounjaro, a nova geração de medicamentos para diabetes e obesidade, uma lâmpada provavelmente vai acender na sua cabeça.

Como Ozempic, Wegovy e Mounjaro funcionam

O que esses remédios fazem é imitar o GLP-1 original, mimetizando um mecanismo natural que ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue e a promover a perda de peso. Com essa atuação, transformaram-se na grande e lucrativa sacada da indústria farmacêutica.

É o que o seu GLP-1 de fábrica já faz. Quando a glicose está em alta na circulação, ele estimula o pâncreas a produzir insulina hormônio que, também através de um esquema chave-fechadura, permite à glicose entrar nas células e virar energia , retarda o esvaziamento do estômago e amplia a sensação de saciedade.

Só que, enquanto a versão caseira, ou melhor, endógena, tem apenas alguns minutos de ação, a versão construída em laboratório foi feita para funcionar por horas. Daí seu maior impacto na glicemia e no emagrecimento.

No início, os primeiros análogos de GLP-1, como ficou conhecida essa classe terapêutica, eram injetados diariamente o debut pra valer ocorreu com a liraglutida, da companhia dinamarquesa Novo Nordisk. Depois, com o desenvolvimento da nova geração e a chegada da semaglutida, da mesma empresa, entramos na era das canetas de aplicação semanal. 

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Pois bem, um dos lugares que o GLP-1 se conecta no corpo humano é o cérebro. Mais especificamente, uma região do cérebro que não controlamos conscientemente. É aí que a magia – com um apoio da tecnologia – acontece.

+ LEIA TAMBÉM: Os remédios para emagrecer que estão aprovados no Brasil

Obesidade na cabeça

Na porção central do cérebro, há uma área chamada hipotálamo, que prova que tamanho não é documento. “Ele tem mais ou menos a dimensão da ponta do nosso dedo indicador”, conta o médico Lício Velloso, diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “E é o responsável por regular nosso gasto energético, e as sensações de fome e saciedade”.

Velloso é uma das figuras que mais entendem de hipotálamo no planeta. Um pesquisador reputado internacionalmente que ajudou a elucidar como alterações nesse pedaço da massa cinzenta predispõem à obesidade.

Sua equipe e outros cientistas pelo mundo descobriram em experimentos com animais, mas também em seres humanos, que a inflamação do hipotálamo tem tudo a ver com o descontrole do apetite e o ganho de peso.

Bem, e o que o GLP-1 tem a ver com a história? Ora, estudos, feitos inclusive no laboratório do professor Velloso na Unicamp, desvendaram que esse hormônio se conecta a receptores em neurônios do hipotálamo, disparando a mensagem de que o corpo já está abastecido e pode desligar seus sinais de necessidade de comida. Chave-fechadura, lembra?

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Se esse mecanismo não funciona como deveria, temos um gatilho biológico para perder o controle sobre a ingestão calórica e engordarmos. É por isso que os experts dizem que a obesidade é uma doença. Uma doença crônica.

“Ter a noção de que uma desregulação do hipotálamo contribui para o problema pode ajudar inclusive as pessoas a entenderem que não devem carregar uma culpa pela obesidade e a procurarem apoio médico”, afirma o endocrinologista Bruno Geloneze, colega de Velloso na Unicamp e coordenador científico do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes da instituição.

O “efeito Ozempic” no cérebro

Os análogos de GLP-1 fazem a mesma coisa no hipotálamo. Em circulação, eles encontram suas pistas de aterrissagem em órgãos como o pâncreas (onde instiga a liberação de insulina), mas também lá no cérebro. É assim que ativam a cascata de reações que culminam no aumento da saciedade e no controle do peso.

Só que, para chegar até esse pequeno grande alvo do organismo, os medicamentos precisam ultrapassar uma autêntica muralha: a barreira hematoencefálica. Graças a essa formação defensiva, toxinas e micróbios não conseguem penetrar o cérebro.

A liraglutida, aquele primeiro análogo de GLP-1 de uso diário lançado há mais de uma década, até conseguia driblar um pouco desse esquema de segurança para atracar no hipotálamo. Mas tinha um efeito bem limitado. Só que a história mudaria alguns anos depois.

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“O grande diferencial no desenvolvimento da semaglutida foi criar uma molécula capaz de passar com mais facilidade pela barreira hematoencefálica e se conectar aos neurônios do hipotálamo”, explica Velloso. “A isso se deve seu efeito superior inclusive na perda de peso.”

Se a liraglutida, comercializada sob os nomes Victoza (indicação para diabetes) e Saxenda (obesidade), obtinha reduções médias de 5 a 10% do peso corporal, a semaglutida (Ozempic, Wegovy e Rybelsius) hoje consegue alcançar perdas de 15 a 20%. 

Um dos seus segredos é justamente se infiltrar na central da saciedade, conectar-se aos receptores de células ali e disparar seus desejados sinais terapêuticos.

+ LEIA TAMBÉM: Como um lagarto que come 3 vezes por ano ajudou a criar o Ozempic

E o Mounjaro nessa história?

Recentemente, foi anunciado o lançamento nacional do Mounjaro, medicamento da farmacêutica americana Eli Lilly baseado no princípio ativo tirzepatida. Embora ele faça parte dessa nova geração medicamentosa, não é um análogo de GLP-1 puro sangue.

Na realidade, é o primeiro duplo agonista da história: ele imita dois hormônios sintetizados pelo corpo, o GLP-1, mas também o GIP sigla para peptídeo inibitório gástrico. Esse mecanismo de ação em dobro de novo, pelo esquema chave-fechadura é responsável pelos resultados mais potentes da droga, também aplicada com uma caneta uma vez por semana.

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Nos estudos clínicos, a tirzepatida obteve um amplo efeito no controle glicêmico e na perda de peso, chegando a reduções de peso corporal na casa de 23%, o maior já alcançado entre as medicações aprovadas pelos órgãos regulatórios. No Brasil, o Mounjaro é liberado para tratamento do diabetes tipo 2, mas aguarda o aval para obesidade também.

Pois bem, também há receptores de GIP nas células do hipotálamo. Então isso explicaria a maior potência da tirzepatida? Um efeito duplo nos neurônios que regem o balanço energético e a saciedade?

“Essa é uma das perguntas de 1 milhão de dólares”, diz Velloso. “Mas o mecanismo não parece ser o mesmo da atuação do GLP-1 no hipotálamo.”

“Há pesquisas sugerindo que há uma via indireta da ação do GIP no cérebro e os seus efeitos ali seriam menos intensos”, conta Geloneze. “Especula-se, por exemplo, que ele poderia sensibilizar os receptores celulares do GLP-1 para aumentar seu efeito no hipotálamo.”

Efeitos anti-inflamatórios

Outra pergunta ainda sem resposta é se esses novos tratamentos baseados em análogos de GLP-1 diminuiriam a inflamação no próprio hipotálamo, que, já se sabe, patrocina o ganho de peso.

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“O que já está demonstrado em trabalhos experimentais e estudos clínicos é que o GLP-1 reduz a inflamação sistêmica. Então se acredita que também deva ter um impacto nessa região do cérebro”, relata o endocrinologista e docente da Unicamp.

Chave, fechadura, hipotálamo, emagrecimento… O fato é que as novas drogas para diabetes e obesidade mexem com o cérebro. E boa parte do segredo delas reside justamente aí.

* Esta reportagem foi concebida após participação do repórter no curso “A ciência da medicina da obesidade para jornalistas científicos”, promovido pela Unicamp sob a coordenação dos professores Bruno Geloneze, Lício Velloso e Mario Saaad, com o apoio da Novo Nordisk

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