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Ministério da Saúde estende vacina contra HPV para meninos

Experts já vinham debatendo a necessidade de ampliar a proteção contra esse vírus quase onipresente na população e associado a diversos tumores

Por Chloé Pinheiro (colaboradora)
Atualizado em 3 mar 2023, 11h22 - Publicado em 11 out 2016, 13h19
Willian Santiago
Willian Santiago (/)
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A partir de 2017, meninos de 12 e 13 anos passam a receber a vacina contra o vírus HPV — principal fator de risco para câncer de colo de útero nas mulheres. O anúncio foi feito nesta terça, 11, pelo Ministério da Saúde, em Brasília (DF). Segundo o órgão, o Brasil será o primeiro país da América Latina e o sétimo do mundo a oferecer a vacina para garotos em programas nacionais de imunizações. Estima-se que 3,6 milhões de meninos sejam beneficiados em 2017.

Por que homens também devem se vacinar

Existem mais de 200 tipos de HPV já identificados pela ciência. Todos procuram se instalar na pele ou em mucosas (como as genitais), e a maioria provoca só lesões benignas como verrugas. Cerca de 40 tipos, porém, já são acusados de financiar o câncer. Estima-se que 90% das mulheres e 80% dos homens no planeta serão infectados com alguma variedade do vírus pelo menos uma vez na vida. E milhares de vidas seriam salvas todos os anos se pudéssemos evitar o principal fator de risco para o problema, a infecção pelo vírus HPV.

“Dá pra dizer que não existe câncer de colo de útero sem HPV. A relação é mais forte do que a do tabagismo com os tumores de pulmão”, destaca a médica Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Alguns tipos do papiloma vírus humano transmitidos sexualmente são atores centrais no desenvolvimento não só desse mas de outros cânceres, inclusive na ala masculina. “Temos observado há algum tempo que, entre os homens, eles propiciam tumores de cabeça e pescoço, no ânus e no pênis”, relata a bióloga Luisa Lina Villa, pesquisadora da Universidade de São Paulo.

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Que fique claro: já existe vacina contra o HPV. Uma das versões, aliás, está disponível em rede pública em todo o Brasil desde 2014 para meninas entre 9 e 13 anos. Ela combate quatro variações do vírus, duas delas associadas ao câncer. Ocorre que, dada a magnitude dos estragos, os estudiosos discutiam cada vez mais a necessidade de expandir essa indicação. “Os rapazes, além de também ficarem doentes, continuam carregando e disseminando o vírus. Então, ambos os sexos deveriam ser imunizados”, opina Luisa.

Esse elo íntimo foi endossado por um grande levantamento da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer recém-publicado no periódico The Lancet. Com base em dados globais sobre tumores provocados por vírus e outros agentes infecciosos, os investigadores constataram que, dos 2,2 milhões de casos anuais, 640 mil (ou 30%) são causados por algum subtipo de HPV. O resultado o coloca em segundo lugar na lista dos inimigos microscópicos ligados à enfermidade, perdendo apenas para a bactéria Helicobacter pylori, por trás de cânceres no estômago.

Fardo feminino: a relação é mais conhecida  devido ao rastreamento de lesões no útero em consultório e ao fato de 100% dos episódios de câncer cervical estarem vinculados ao HPV. Nelas, os vírus podem gerar verrugas ou danos precursores de tumores.

No clube do bolinha: com exceção das verrugas, que não viram câncer, o corpo do homem não costuma mostrar indícios claros de que contraiu HPV. As lesões que antecedem o câncer na região genital ou na boca e garganta são difíceis de ver e identificar.

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O início da adolescência é um período precioso para a aplicação da vacina. Primeiro porque a ideia é armar a defesa antes do começo da vida sexual. Segundo porque, como vamos explicar melhor depois, a camisinha não consegue impedir a contento a infecção. E terceiro porque, nessa faixa etária, o organismo dá um gás na produção de anticorpos contra o vírus. “O imunizante disponível na rede pública garante quase 100% de proteção contra os tipos mais incidentes de HPV ligados ao câncer”, afirma Luisa. “E, se ele for utilizado antes da exposição sexual, melhor”, completa. Pesquisas mostram que, entre mulheres jovens, as duas doses da vacina quadrivalente, tomadas em um intervalo de seis meses, são o suficiente para limar 70% dos casos de tumor de colo de útero.

Leia mais: Um vídeo emocionante sobre a importância dos exames de câncer de colo de útero

A imunização precoce também seria proveitosa para os garotos: além de diminuir por tabela o contágio para as parceiras, minimizaria o risco de lesões potencialmente malignas em seu próprio corpo. Ao contrário da ala feminina, que deve se submeter anualmente ao exame de papanicolau — em que se rastreiam eventuais agravos —, os homens em geral só descobrem o problema quando o câncer já se instalou. “Daí que praticamente só conseguimos intervir quando a doença aparece”, lamenta o médico Mauro Romero, da Universidade Federal Fluminense. De olho nisso, o expert em DSTs coordena um trabalho que vacina rapazes no Morro do Estado, bairro na periferia de Niterói, no estado do Rio de Janeiro.

Aliás, a vacina não deixa de agir quando a adolescência vai embora. Adultos também podem tirar vantagem. “Ela vale para esse contexto porque, mesmo que eu tenha me exposto a um tipo, posso me proteger contra outros”, raciocina Rosana. “Mas, em termos de saúde pública, é mais custo-efetivo focar na população jovem”, pondera. Para os mais velhos, a injeção pesa no bolso: são necessárias três doses, que custam até 500 reais cada uma em clínicas particulares.

Nem com a camisinha?

O HPV é daqueles hóspedes inconvenientes que nem sempre o organismo estará apto a repelir. “Metade das mulheres e 20% dos homens, mesmo se expostos, não criam anticorpos naturalmente contra ele”, informa Luisa. Essa falha no sistema imune é justificada, em parte, pelo modus operandi do intruso. “Diferentemente do vírus da gripe, que circula e causa mal-estar no corpo todo, o HPV atua de maneira localizada, o que dificulta a identificação e produção de anticorpos”, explica Rosana. “A vacina consegue estimular isso justamente por inserir uma partícula semelhante ao vírus na corrente sanguínea”, completa a infectologista.

Embora tenha um papel superimportante na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, nem mesmo o preservativo segura o HPV. “Ele não evita totalmente o contágio, que pode ocorrer sem penetração, uma vez que o vírus também está na pele da região genital e nas mucosas”, esclarece a médica Luciana Potiguara, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Ou seja, carinhos manuais e sexo oral chegam a transmiti-lo.

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Discreto no início, o bandido costuma passar um bom tempo sem ser notado. E é essa infecção latente que pode dar origem a um tumor lá adiante — o processo demora, em média, até uns dez anos. Vale uma ressalva tranquilizadora: na grande maioria dos hospedeiros, o HPV faz só uma visita rápida e se despede sem repercussões. O problema é que é difícil determinar quando é que isso acontece, já que as verrugas genitais são causadas por tipos que não estão ligados ao câncer. Os vírus mais comuns por trás desse mal (subtipos 16 e 18) agem silenciosamente.

Embora a vacina esteja a postos na rede pública brasileira, ainda há muito a avançar quando se fala em adesão. “Só metade das meninas volta para tomar a segunda dose”, aponta Luisa. Esquecimento, falsa noção de que uma picada basta, medo da injeção… Tudo isso faz com que a imunização não obtenha totalmente sua eficácia. Se o problema é a desconfiança dos pais, cabe um esclarecimento: análises já evidenciaram que aplicar a vacina mais cedo não funciona como um estímulo para meninas e meninos anteciparem sua vida sexual.

Hoje, a indicação em esfera pública também inclui mulheres entre 9 e 26 anos que sejam HIV positivo — elas estão mais sujeitas aos ataques carcinogênicos do HPV. A vacina quadrivalente foi criada e é produzida pela farmacêutica MSD-Merck, mas, junto com a sua distribuição, em 2014 começou também o processo de transferência de tecnologia para que ela passe a ser 100% brasileira. “Uma das vantagens de adquirir esse conhecimento é poder empregá-lo em outras pesquisas, já que se trata do primeiro imunizante contra um câncer tão abrangente”, avalia o imunologista Jorge Kalil, diretor do Instituto Butantan, em São Paulo, entidade responsável por essa nova fase, que deve ser concluída em cinco anos.

O alvo número 1

O principal objetivo da vacinação continua sendo a prevenção do câncer de colo de útero, também chamado cervical. Apesar disso, a expectativa é que, com a expansão das indicações e dos programas de imunização, outros tumores ligados ao HPV possam ser evitados. Levantamentos acusam, por exemplo, um aumento no diagnóstico de tumores de garganta entre homens — e sabe-se que os tipos 16 e 18 do vírus, os mesmos que perturbam as bandas uterinas, provocam boa parte dos episódios nas amígdalas e na faringe.

Ainda assim, mirar na proteção do útero permanece uma prioridade por aqui. Falamos do segundo tumor mais comum na ala feminina. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), estima-se que até 16 mil novos casos sejam detectados anualmente e 5 mil mulheres sejam vítimas fatais no mesmo período. O diagnóstico tardio e a mortalidade ainda pesam no cenário brasileiro. “Por ser um câncer evitável com identificação e tratamento precoces das lesões precursoras, o fator socioeconômico influencia nos riscos atrelados à doença”, afirma Maria Asunción Solé Pla, epidemiologista do Inca. “Os dados mostram ainda que mulheres com menor renda fazem menos testes preventivos.”

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O exame salvador nesse sentido é o papanicolau, que vasculha alterações suspeitas na mucosa do útero. Se flagradas no começo, elas são facilmente removidas. Ocorre que, em regiões menos favorecidas economicamente, essa não é uma realidade predominante. “Muitas vezes a paciente faz a coleta e nem sequer volta para buscar o resultado”, conta a oncologista Brena Ferreira, da Sensumed, em Manaus. “As pacientes costumam chegar só quando há sintomas como sangramento, dor e inchaço. Nessa altura, a doença já progrediu até para outros órgãos”, relata a médica, que trabalha na linha de frente em uma das áreas mais prejudicadas, o Norte do país.

A detecção tardia reduz as opções de tratamento e limita as chances de sobrevivência. Uma boa notícia nesse campo foi um lançamento do laboratório Roche, a primeira terapia-alvo dedicada a casos avançados. Só que nada se compara ao sucesso da intervenção quando ela pode ser feita mais cedo. Por isso se reforça a necessidade de, além de vacinar, rastrear as primeiras pistas de que o vírus se encontra no pedaço. “Mesmo com a imunização, todas as mulheres devem realizar os exames de rotina”, ressalta Maria Asunción. Informação e acesso a medidas preventivas formam a maior bandeira para derrotar o câncer de colo de útero.

Contou com a colaboração de Karolina Bergamo

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