Câncer: 6 avanços recentes da ciência que você precisa conhecer
Reunimos destaques do maior encontro mundial da oncologia, promovido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco) nos Estados Unidos

Nesta semana, estudiosos do câncer dos mais diversos países deixaram os jalecos pendurados no laboratório e tiraram uns dias longe dos consultórios e dos hospitais. O motivo é nobre: a participação no maior encontro mundial da oncologia, promovido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), em Chicago, nos Estados Unidos.
Conferências e congressos científicos são espaços frutíferos, não somente pela apresentação de novos estudos, mas também pela possibilidade de troca de ideias entre pesquisadores que muito se falam, mas pouco se veem pessoalmente.
A causa é urgente: o câncer está em ascenção, incluindo em jovens, e é a segunda principal causa de morte no mundo.
Geralmente, a programação inclui diversos painéis, palestras, debates e apresentações de resultados de estudos — tudo com uma linguagem bastante técnica.
Aqui, reunimos alguns dos destaques do evento, traduzindo o “mediquês” em bom português.
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Exercício diminui as chances de retorno do câncer
O câncer de intestino, combatido a partir da combinação entre cirurgia e quimioterapia, tende a apresentar bons resultados com o tratamento. Contudo, a doença pode retornar em aproximadamente 30% dos pacientes.
A boa notícia é que a realização de exercícios físicos bem planejados após o ciclo de tratamento pode reduzir as chances de recorrência, bem como levar ao aumento do tempo de vida.
Os achados fazem parte do ensaio clínico CHALLENGE, que contou com a colaboração de quase 900 voluntários, recrutados entre 2009 e 2023, de seis países, com destaque para Canadá e Austrália. A idade média foi de 61 anos e com divisão praticamente igual entre homens e mulheres.
Metade participou de um programa de treino estruturado contando com um consultor e sessões supervisionadas, enquanto a outra recebeu informações de educação em saúde sobre atividade física e nutrição saudável. No contexto da doença, todos tiveram acompanhamento e monitoramento padrão.
Os dois grupos mostraram melhoras no condicionamento, embora os índices tenham sido significativamente superiores nos indivíduos do programa de atividades estruturadas.
Os pesquisadores acompanharam os participantes ao longo do tempo e registraram achados importantes. Em cerca de 8 anos, 93 pessoas com apoio de um personal tiveram recidiva do câncer. Em comparação, foram 131 voluntários do conjunto dos materiais educativos.
Em cinco anos, a taxa de sobrevida livre de doença foi de 80% no programa de treinos e de 74% no de conteúdos informativos. Outro destaque foi o risco 28% menor de câncer recorrente ou novo entre time do treino.
Os próximos passos do estudo incluem a análise de amostras de sangue dos voluntários para averiguar como o exercício pode influenciar, de fato, nos melhores prognósticos. Os resultados foram publicados no prestigiado New England Journal of Medicine.
Para a oncologista Aline Chaves Andrade, do Grupo Oncoclínicas, os dados são motivadores.
“Temos que trazer isso para o consultório, mostrando aos pacientes que não se trata de um conselho de bom estilo de vida. São dados evidentes da literatura, cada vez mais consistentes, indicando o quão importante é, após o diagnóstico do câncer, a mudança de hábitos associada a uma boa dieta e atividade física regular, diminuindo assim as chances da doença voltar”, destaca Andrade, que esteve presente na conferência em Chicago.
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Medicamentos para obesidade mostram potencial redução no risco de câncer
Cientistas encontraram evidências de que medicamentos emagrecedores, como a semaglutida (Ozempic, Wegovy) e tirzepatida (Mounjaro), estão associados a uma redução modesta no risco de desenvolvimento de câncer. A análise descreve ao menos 14 tipos de tumores relacionados à obesidade, incluindo a doença no cólon e reto e no fígado.
O grupo de pesquisa se debruçou sobre dados de mais de 85 mil pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade, observando uma queda de 16% nos casos de câncer cólon e de 28% na doença no reto. Os achados mostram ainda uma diminuição de 8% na mortalidade por todas as causas.
“Esse é um estudo extremamente importante. Por vezes, questionamos o uso dessas medicações novas e o quanto podem trazer de efeito colateral, mas o controle da obesidade teve um impacto na sobrevida dos pacientes”, pontua a oncologista Maria Alzira Rocha, do Hospital Israelita Albert Einstein, também participante do evento.
Os famosos medicamentos para controle de peso surgiram inicialmente para o tratamento de diabetes tipo 2. Em resumo, eles mimetizam o hormônio GLP-1, dando sensação de saciedade, o que reduz o consumo de calorias.

As últimas novidades contra o câncer de mama
A detecção precoce de um tumor é essencial para reduzir os riscos de complicações. No caso do câncer de mama, se faz importante ainda reconhecer o subtipo da doença para definir as melhores rotas de tratamento.
Nesse contexto, a inteligência artificial pode ser útil, de acordo com uma nova investigação. A ferramenta atuou na padronização da interpretação de exames, aumentando a precisão dos patologistas para identificar tumores com expressão HER2 baixo e ultrabaixo — que podem passar despercebidos e classificados como HER2-negativos.
De maneira mais simples, ter esse conhecimento é relevante uma vez que pacientes com esse subtipo podem se beneficiar, por exemplo, de terapias específicas, como anticorpos combinados a outros fármacos.
A pesquisa contou com mais de 100 especialistas de 10 países asiáticos e sul-americanos, incluindo o Brasil. De acordo com o ensaio, apresentado como pôster no congresso, a assistência de IA aumentou a precisão diagnóstica em quase 22%.
“O uso da inteligência artificial permite uma classificação mais correta e, assim, a gente pode oferecer o melhor tratamento para essas pacientes. Essa ainda é uma grande dificuldade da oncologia mamária, a correta qualificação do HER2”, afirma o oncologista Pedro Moraes, do Hospital Albert Einstein.
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Ainda no contexto do subtipo HER2 do câncer de mama, há resultados positivos de outro ensaio clínico. A pesquisa aponta que a combinação dos compostos trastuzumabe deruxtecano e pertuzumabe pode retardar o crescimento do tumor por mais tempo do que o tratamento padrão.
Para a análise, foram consideradas pessoas com a doença local avançada ou metastática, quando já existe o espalhamento para outras regiões do corpo. Ao todo, 1.157 pacientes participaram da investigação. Separados em dois grupos, metade recebeu o novo protocolo e a outra o tratamento padrão.
O acompanhamento de mais de dois anos revelou que a combinação de medicamentos reduziu o risco de progressão da doença ou morte em 44%. Além disso, cerca de 70% dos indivíduos em novo protocolo não apresentaram crescimento ou disseminação do câncer, em comparação com cerca de 52% no grupo padrão.
Na efervescência da pesquisa na área, desponta outra combinação de substâncias capaz de prolongar a sobrevida e adiar a quimioterapia em pacientes com o tumor na mama avançado. O estudo clínico INAVO120 aponta que a adição de inavolisibe a palbociclibe e fulvestranto levou a uma melhora relevante na sobrevida como um todo e no período livre de progressão da doença.
Para essa análise, foi incluído um grupo específico de pessoas, que apresentam quadro avançado, HER2 negativo e uma mutação em um gene chamado PIK3CA.
Pois bem, o trabalho de driblar o câncer não é simples mesmo. Por vezes, é preciso testar terapias considerando diferentes variáveis do tumor, ou seja, a chave pode estar em um detalhe. A medicina personalizada ganha cada vez mais espaço nesse contexto.
Após um ano de tratamento, 87% dos pacientes no grupo que recebeu inavolisibe permaneceram vivos, em comparação com 80% no grupo controle. Além disso, a combinação permitiu adiar a necessidade de quimioterapia, mantendo a eficácia do tratamento com menor toxicidade.
E tem mais novidade por aí… Uma pesquisa propõe o monitoramento dos efeitos do tratamento a partir de um exame de sangue.
A nova estratégia foi testada em pacientes com câncer de mama avançado hormônio-dependente (ou seja, HR positivo e HER2 negativo), o subtipo mais comum da doença. Embora o tratamento disponível seja eficaz, há um risco de desenvolvimento de mutação capaz de tornar o tumor resistente.
Os estudiosos sugerem acompanhar essa mutação através do sangue. Uma vez detectada, podem ser implementadas mudanças na rota de tratamento. De acordo com o trabalho, houve um aumento no tempo de sobrevida sem a progressão do agravo entre os indivíduos que trocaram precocemente a terapia em comparação com aqueles que seguiram com o protocolo padrão.
Os dados apontam para uma queda de 56% nas chances de progressão ou morte. “Pela primeira vez, conseguimos orientar a decisão médica com base na chamada biópsia líquida, antes mesmo da progressão visível do câncer, com base apenas na detecção molecular precoce da resistência”, explica Gustavo Bretas, oncologista da Oncoclínicas.
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Duas estratégias para câncer de colo do útero
O câncer do colo do útero, também chamado de câncer cervical, é um dos mais incidentes entre as mulheres no Brasil. É causado pela infecção persistente por tipos específicos do HPV, sigla do papilomavírus humano. O grande problema é que a doença pode não apresentar sintomas na sua fase inicial, o que leva ao diagnóstico tardio e aumento do risco de morte.
Ainda em desenvolvimento, uma pesquisa brasileira tem como foco justamente pacientes com a doença local em fase avançada. Em teste, a combinação de imunoterapia (nivolumabe e ipilimumabe) com o tratamento padrão, a quimiorradioterapia.
Em busca de melhores resultados em termos de cura ou interrupção do avanço do tumor, o grupo experimental realiza a imunoterapia antes e durante o tratamento tradicional. Ao todo, participam 116 pacientes, incluídas entre 2022 e 2024. O grupo de pesquisa espera apresentar conclusões em 2028.
Em uma outra vertente, especialistas investem na redução das desigualdades para o enfrentamento da doença, cujo fardo recai ainda mais sobre mulheres negras. O estudo RACED (Reduction of Cervical Cancer Disparities) demonstra como o letramento racial pode contribuir para melhores resultados, ampliando o acesso ao diagnóstico e tratamento oportuno.
A pesquisa liderada pela oncologista Abna Vieira, do Grupo Oncoclínicas, aponta que essa disparidade também se firma no acesso desigual à prevenção, diagnóstico e tratamento, agravados pelo racismo estrutural presente no sistema de saúde.
O letramento racial é um processo educativo sobre o racismo e seus impactos na sociedade.
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CAR-T contra tumores sólidos
Há anos os cientistas se debruçam sobre uma forma de fazer a terapia CAR-T — que revolucionou o tratamento dos cânceres do sangue ao reprogramar células do próprio sistema imune contra a doença — funcionar em tumores sólidos.
A Asco confirmou avanços neste sentido, em portadores de câncer renal. Em uma pesquisa inicial, as células de doadores saudáveis foram programadas para atacar tumores com um marcador específico.
Quase 40 pacientes receberam a terapia, com resposta positiva. As taxas de resposta variaram de 20 a 33%, com bom desempenho em cerca de 7 meses de acompanhamento.
Esperanças contra o câncer de pulmão avançado
Nessa seara, um ensaio clínico mostra que pacientes em estágio avançado (difícil de tratar) de câncer de pulmão de pequenas células podem se beneficiar da terapia de manutenção com uma combinação dos fármacos lurbinectedina e atezolizumabe.
O estudo de fase 3 IMforte revela que a metodologia ajuda as pessoas a viver mais e reduz o risco de progressão da doença ou morte. Participaram 660 pessoas sem histórico de espalhamento da doença para o cérebro ou medula, de 91 centros de pesquisa e de 13 países.
Entre os achados, destacam-se o risco 46% menor de progressão da doença entre os tratados com a nova terapia, que ainda tiveram sobrevida média de pouco mais de um ano, algo positivo considerando a gravidade do quadro.
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