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Medicina

Um hospital no meio da mata

Acompanhamos o atendimento médico de índios brasileiros e apontamos as principais carências de saúde dessa população

por André Biernath Atualizado em 11 fev 2019, 14h05 - Publicado em
8 fev 2019
14h03

A expedição

José Lindo, de apenas 2 anos, nasceu com a vista esfumaçada. Portador de uma catarata congênita, ele nunca viu o rosto de sua mãe ou as belezas (e as agruras) do lugar onde mora. Provavelmente passaria a vida toda sem enxergar se não fosse o esforço incansável e inspirador de uma trupe de voluntários que viaja às profundezas do Brasil e oferece às populações indígenas uma série de serviços que só estão disponíveis mesmo nas grandes cidades.

Após um procedimento relativamente simples, que envolve a troca de uma estrutura do globo ocular chamada cristalino, José Lindo ficou com tampões nos olhos durante uma noite toda. No dia seguinte, logo pela manhã, a medicina operou seu milagre: ao tirar as vendas, o garoto estava enxergando bem e pulava contente no colo da mãe. Nessa hora, quem ficou com a visão turva foram as testemunhas daquela cena, a maioria delas com os olhos cheios d’água.

A ideia de criar a ONG Expedicionários da Saúde (EDS) nasceu em 2002, quando alguns amigos, entre eles o ortopedista Ricardo Affonso Ferreira, atual presidente da entidade, fizeram uma viagem ao Pico da Neblina, o ponto mais alto do nosso país, localizado no norte do estado do Amazonas. No caminho, eles depararam com a situação frágil dos índios ianomâmis, que habitam a região, e decidiram fazer algo para mudar aquela realidade. 

O cacique cricati João Grossá (esquerda) e o presidente da EDS Ricardo Ferreira (direita)
O cacique cricati João Grossá (esquerda) e o presidente da EDS Ricardo Ferreira (direita) (Foto: Marla Galdini/Sesai/Divulgação)

Com o apoio estratégico do Ministério da Saúde, do Ministério da Defesa, do Exército e da Força Aérea, além do patrocínio e das doações de empresas privadas, o grupo consegue montar estruturas impressionantes no coração da selva, com direito a consultórios, salas cirúrgicas e equipamentos para a realização de exames. Tudo de primeira linha. 

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A reportagem de SAÚDE seguiu, durante uma semana, os trabalhos da 41ª expedição, que ocorreu em setembro de 2018 na aldeia São José, do povo cricati, na cidade de Montes Altos, Maranhão. Ao longo de 12 dias, foram realizadas 546 cirurgias de pequeno e médio porte, além de 4 857 consultas e 11 776 exames. O projeto envolveu mais de 120 voluntários da EDS, incluindo oftalmologistas, cirurgiões, anestesiologistas, clínicos gerais, ginecologistas, pediatras, nutricionistas, dentistas, instrumentadores, enfermeiros e profissionais de informática e logística. Além dessa equipe, participaram também mais de 170 trabalhadores contratados e voluntários do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Maranhão, ligados ao programa “Sesai em Ação”. 

Números tão grandiosos exigem muita organização: semanas antes, os enfermeiros locais visitam as comunidades e estimam a quantidade de pacientes que podem precisar de uma operação. Assim, já dá pra saber mais ou menos os equipamentos e remédios necessários para trazer na garupa. Em alguns casos específicos, os médicos voluntários viajam de helicóptero ou de carro até os lugares mais afastados para confirmar ou não o diagnóstico inicial e, assim, evitar deslocamentos dispensáveis.

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Os donos da terra

Após uma série de invasões e conflitos que ainda abalam a região, com direito a assassinato de vários caciques, o povo indígena cricati só teve seus direitos de território reconhecidos pelo Estado brasileiro em 2004. Apesar da tecnologia e da influência de igrejas católicas e evangélicas, a tribo preza por manter muitas de suas tradições, como a caça, as danças, o vestuário, a pintura do corpo, os esportes com flechas e o hábito de reclusão total em cabanas de palha por semanas ou até meses no início da adolescência.

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(Ilustração: Éber Evangelista/SAÚDE é Vital)

A mais recente expedição da EDS atendeu os índios maranhenses. A região contemplada, quase na divisa com Tocantins e Pará, abriga 34 mil pessoas, espalhadas por 20 cidades e 328 aldeias, divididas nas etnias guajajara, gavião, avá-guajá, guajá, urubu-caapor, cricati, canela e timbira. Suas línguas principais são o macro-jê e o tupi. 

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As carências

A situação dos cuidados com a saúde é visivelmente precária em muitas localidades habitadas pelas populações indígenas do Maranhão. Na própria aldeia São José, apesar de existir um posto de saúde, a reportagem não encontrou nenhum médico de plantão no momento em que fez uma visita às instalações. Posteriormente, os responsáveis relataram que há, sim, um profissional da área que trabalha lá e em outras unidades de saúde da região. Antes da expedição, o responsável pelos cuidados daqueles indivíduos era um médico cubano que estava retornando para seu país. Ele será substituído por algum colega em breve. 

Na ausência do médico, sobra tudo para poucos enfermeiros e técnicos de enfermagem, que até conseguem lidar com os casos pontuais. Quando a situação parece grave, resta viajar até a cidade de Imperatriz, a segunda maior do Maranhão — só fica atrás da capital, São Luís —, num percurso de duas horas por estradas esburacadas.

Como se não bastasse, faltam muitas informações básicas sobre a prevenção de doenças. Um exemplo claro disso ocorreu no consultório odontológico: devido ao consumo excessivo de doces, muitos jovens indígenas maranhenses estavam cheios de cáriesNa maioria das vezes, nem era possível fazer uma obturação ou um canal: a única saída estava em arrancar os dentes danificados. E olha eles recebem periodicamente um kit para a higiene bucal. Porém, como muitos não foram orientados sobre o modo correto de usar esses produtos, a escova e a pasta são ignoradas e o fio dental vira material para a confecção de colares e pulseiras de miçangas.

Existem ainda outras graves falhas estruturais, como a ausência de fontes naturais próximas, como rios e açudes. Os moradores locais fazem uso de poços para a subsistência. A água chega às casas por meio de canos. Para complementar, caminhões-pipa contratados pelo Sesai paravam uma vez ao dia para encher as caixas utilizadas pelos voluntários e visitantes. Um segundo veículo motorizado circula durante os horários mais quentes, quando a temperatura ultrapassa facilmente os 40 °C, para molhar as ruas de terra batida e assentar um pouco a poeira vermelha que forma redemoinhos no ar, especialmente nas áreas próximas ao centro cirúrgico.

Em uma rápida visita à expedição, o próprio Marco Antônio Toccolini, líder da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde, admitiu em seu discurso para os caciques: “Precisamos levar prevenção e tratamento para todos os rincões do Brasil e encarar essa tarefa não como um programa de governo, mas como uma política de estado”. 

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Vista aérea dos alojamentos da EDS (esquerda) e do complexo de consultórios e salas cirúrgicas (direita)
Vista aérea dos alojamentos da EDS (esquerda) e do complexo de consultórios e salas cirúrgicas (direita) (Foto: EDS/SAÚDE é Vital)

Criada em 2010, a Sesai melhorou a situação, apesar de todas as dificuldades logísticas e de isolamento de algumas populações. Entre 2014 e 2018, o número de atendimentos médicos de indígenas passou de 1,1 milhão para 5,6 milhões por ano. As prioridades são ações de vacinação, vigilância alimentar, cuidados no pré-natal e no desenvolvimento infantil.

Segundo as estatísticas oficiais, esses serviços tentam cobrir uma população de 818 mil brasileiros, moradores de 5 mil aldeias de 305 etnias diferentes, que ocupam 12% do território nacional.

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Mas, óbvio, ainda falta muito chão para alcançarmos o cenário ideal. Um relatório publicado no site Povos Indígenas no Brasil lista casos de morte por desnutrição das crianças guaranis caiovás de Mato Grosso do Sul, uma epidemia de malária entre os ianomâmis de Roraima e Amazonas, um alto índice de vítimas fatais por acidentes com cobras no Alto do Rio Negro (Amazonas), e um crescimento galopante de doenças sexualmente transmissíveis dentro do Parque do Xingu, no Mato Grosso.

Trabalhos que envolvem empresas, ONGs e governo, como o realizado nessa parceria entre a EDS e Sesai,  ajudam a minimizar o estrago e reduzem as filas de tanta gente que luta por uma solução para seu problema de saúde. Mais que isso, o projeto resgata a dignidade e a qualidade de vida de milhares de brasileiros que, no passado, não receberam a devida atenção. Aliás, basta um breve encontro com os pacientes que aguardam pela cirurgia para ouvir um monte de relatos e vivências que dão nó na garganta.

Raimundo Guajajara, de 76 anos, esperava agoniado na porta do centro cirúrgico por sua esposa, Catarina, de 93. Ele acabara de fazer a operação de catarata relacionada à idade, e sua mulher passava pelo mesmo procedimento naquele momento. “Desde que casamos, nunca vivi um dia longe dela, e não vai ser hoje que ficaremos separados”, afirmou.

De visão límpida, eles puderam finalmente deitar felizes lado a lado na sala de recuperação e enxergar um ao outro com clareza, após anos de vista esfumaçada. Prova de que a medicina, independentemente do local de atuação, não renova apenas a saúde.

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A rotina

Etapa 1: Triagem

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(Ilustração: Éber Evangelista/SAÚDE é Vital)

Semanas antes, agentes de saúde visitaram as comunidades e os povoados para estimar quantos indivíduos necessitariam de exames ou cirurgias.

Etapa 2: Chegada

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(Ilustração: Éber Evangelista/SAÚDE é Vital)

No dia estipulado, ônibus e vans foram até esses lugares para pegar as pessoas e transportar até a aldeia São José, onde a expedição ficou instalada.

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Etapa 3: Consulta

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(Ilustração: Éber Evangelista/SAÚDE é Vital)

Após preencherem um cadastro, os pacientes eram encaminhados para avaliações com oftalmos, ginecologistas, pediatras, clínicos e dentistas.

Etapa 4: Cirurgia

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(Ilustração: Éber Evangelista/SAÚDE é Vital)
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Com diagnóstico confirmado, chegava a hora do bisturi. Entre os procedimentos, os mais comuns eram de catarata e hérnia inguinal.

Etapa 5: Pós-operatório

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(Ilustração: Éber Evangelista/SAÚDE é Vital)

Todos eram levados para um setor específico, onde descansavam em redes e recebiam as medicações para controlar a dor e acelerar a recuperação.

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O dentista

Infelizmente, o especialista em saúde bucal ainda é visto com bastante medo — lembranças de uma época em que as brocas eram enormes e o motorzinho fazia um barulho de dar nos nervos. Esse temor aparecia estampado no rosto de todos os pacientes que entravam na tenda ocupada por três cirurgiões dentistas e demais profissionais e auxiliares do DSEI Maranhão.

Como dito no começo da reportagem, muitos chegavam com os dentes cheios de cáries e o único remédio era retirá-los num pequeno procedimento cirúrgico. Esse fenômeno está relacionado à introdução e à maior oferta de alimentos açucarados nas últimas décadas. A própria aldeia São José possui um pequeno armazém que vende sorvetes e refrigerantes por um preço bastante acessível.

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(Foto: EDS/Divulgação)

Outra condição comum encontrada nos indivíduos era um desgaste do esmalte, a camada superficial dos dentes posteriores. Isso é fruto de uma dieta baseada em alimentos muito duros, caso de algumas farinhas feitas a partir da mandioca. Além disso, os indígenas usam a boca para cortar cordas e outros materiais, o que, ao longo do tempo, deixa algumas sequelas.

Ao final do terceiro dia de atendimento, os profissionais responsáveis pela parte odontológica da expedição realizaram uma aula coletiva a fim de ensinar as melhores práticas de higiene bucal para mães, pais e crianças. Ao final, todos os pequenos ganharam um kit com escova, pasta e fio dental e puderam experimentar os presentes ali mesmo, em escovódromos portáteis instalados ao ar livre.

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O curioso é que as orientações básicas para a limpeza de dentes, língua e gengiva foram feitas em português e traduzidas simultaneamente para as línguas locais. Assim, todo mundo pode entender direitinho o que estava acontecendo ali, como mostra o trecho de vídeo abaixo:

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A dor

De acordo com os médicos entrevistados por SAÚDE, dores espalhadas pelo corpo foram os incômodos mais mencionados nos consultórios de clínica-geral e até na pediatria. Um caso que chamou a atenção foi o de uma senhora com mais de 60 anos de idade com um hematoma enorme na parte inferior das costas.

De acordo com seu relato, há dois meses ela estava em sua casa quando um muro caiu e causou esse estrago. A paciente passou 60 dias sofrendo e só conseguiu um atendimento lá na EDS. Como não havia equipamentos para exames mais complexos, ela foi encaminhada para um atendimento ambulatorial na cidade de Imperatriz. Provavelmente, um de seus rins deixou de funcionar por causa da pancada e, principalmente, pela demora no tratamento. 

Um atendimento médico na clínica-geral
Um atendimento médico na clínica-geral (Foto: EDS/Divulgação)

Entre os casos mais simples, a dor está relacionada ao duro trabalho na roça, que garante a subsistência daquelas pessoas. A orientação básica dos especialistas era fazer repouso sempre que possível e, em algumas situações, utilizar remédios que relaxam a musculatura ou aliviam a inflamação.

Só não dá para pedir que o sujeito deixe de plantar, capinar e colher: sua existência (e a de sua família) depende de seu esforço diário na lavoura.

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A cirurgia

O centro cirúrgico tinha o ritmo frenético de gente saindo e chegando a todo momento. Era uma profusão de macacões verdes-claros, toucas, máscaras e luvas descartáveis.

O espaço estava dividido em três salas independentes. Na primeira, a menor de todas, eram realizados os procedimentos de pequeno porte, principalmente a extração de pintas e verrugas. Muitas culturas indígenas interpretam essas marcas na pele como mau agouro e a retirada delas traz um alívio às pessoas que sempre se incomodaram com os olhares tortos e as acusações inconvenientes.

Na sala do meio, aconteciam as cirurgias gerais. Na maioria das vezes, serviam para corrigir hérnias inguinais, problema marcado por uma fragilidade nos músculos que revestem a pelve e o abdômen. Essa fraqueza abre pequenos orifícios por onde o intestino, o apêndice ou até o testículo podem escapulir, o que traz grande perigo. Com uma pequena incisão na barriga, os médicos fazem uma costura do tecido muscular que impede o agravamento da situação.

Esse problema não é mais comum entre os índios. Porém, como eles naturalmente fazem mais esforço físico ao longo do dia, sintomas como dor e inchaço aparecem com frequência. 

Cirurgia de hérnia inguinal realizada na expedição
Cirurgia de hérnia inguinal realizada na expedição (Foto: EDS/SAÚDE é Vital)
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Essa é a história de José Maria, de 58 anos, que já não conseguia trabalhar na roça por causa das dores de uma hérnia inguinal. Bastava uma tosse ou um espirro para sentir as pontadas que tanto o incomodavam. Depois de passar pelo bisturi — e ainda meio grogue pelo efeito da anestesia — ele já demonstrava certo alívio e a certeza de que voltaria a pegar no batente em algumas semanas.

A terceira e última sala era destinada às operações de catarata. Os oftalmologistas usam microscópios e aparelhos de alta definição para destruir e remover o cristalino velho. Essa lente fica quase na superfície do olho e é responsável por receber a luz do ambiente e encaminhar para a retina, onde essas informações são processadas.

Com o passar dos anos de vida, é normal que ela fique opaca e deixe de funcionar direitinho. A única saída é trocá-la por um material translúcido.

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Por passarem boa parte do dia nos locais abertos e em contato direto com o sol, as populações indígenas têm uma tendência a desenvolver catarata mais cedo. Os casos já começam a aparecer na quinta década de vida. Para diminuir o impacto dos raios solares, é indicado utilizar óculos de sol. Quando a vista já não funciona mais, resta fazer a operação.

Apesar de existir uma faixa etária em que o problema ocular se torna mais frequente, ele pode dar as caras em qualquer idade — em situações raras, até na primeira infância, como foi o caso do menino José Lindo, relatado no início da reportagem. A boa notícia é que a cirurgia de troca das lentes pode ser feita em todos os públicos. 

Uma operação de catarata
Uma operação de catarata (Foto: EDS/Divulgação)
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Foi o que ocorreu com o mestre da cultura guajajara Vicente Ramoy, de 103 anos. Ele já havia passado por especialistas em Teresina (PI) e São Luiz (MA), mas todos disseram que ele nunca voltaria a enxergar. Um dia após a operação, Ramoy continuava com a vista enevoada. Duas semanas depois, apresentava uma melhora discreta.

Já Genésio Sousa, de 19 anos, estava com um sorriso enorme no rosto após retirar o tampão de seu olho. Como não enxergava direito, desistiu de aprender e abandonou a escola ainda no início da adolescência. Com os olhos renovados, pretende voltar à sala de aula para, enfim, terminar os estudos.

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O pé atrás

Dois pacientes que participaram da expedição
Dois pacientes que participaram da expedição (Foto: EDS/Divulgação)

Uma das grandes dificuldades que a EDS e a Sesai enfrentam é a desconfiança. Para muitos indígenas, é natural perder a visão com o envelhecimento e não há nada que se possa fazer para mudar isso.

Para piorar, diante de um histórico nada favorável, o contato com o homem branco não raro é evitado ou feito com muita cautela. Para vencer essas barreiras, a ONG adotou a estratégia de trazer alguns poucos pacientes das aldeias mais distantes para que eles passassem pelo tratamento.

Depois, ao voltarem às suas casas, deixam relatos positivos e encorajam parentes e amigos a procurarem a ajuda médica oferecida durante a expedição. 

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Os costumes locais

Conversamos com o professor Milton Carvalho, ex-cacique e atual coordenador de cultura do povo cricati. Ele aponta algumas das características da etnia:

Período de reclusão

No início da puberdade, os jovens precisam ficar em cabanas de palha durante um ou dois meses, atualmente no período das férias escolares. Nesse período, não podem falar com ninguém e comem poucos alimentos. A ideia é ensinar o poder da palavra e a hora certa de dizer certas coisas ou ficar calado.

Esportes e lazer

Em razão do calor, muitas atividades são realizadas durante a noite, quando a temperatura fica mais amena. É quando a lua aparece que os jovens fazem os treinamentos e exercícios, como o futebol e corrida de velocidade.

Outra modalidade bastante comum é a corrida com toras (veja mais no vídeo abaixo). Os homens se revezam e carregam por vários quilômetros troncos que chegam a pesar 80 quilos. As mulheres também participam e levam nas costas madeiras com mais de 30 quilos.

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Educação

A primeira escola foi instalada na aldeia na década de 1960. Mas antigamente as aulas eram ministradas apenas em português. Hoje em dia, também são ensinadas as línguas locais.

Casamento

A cerimônia tradicional cricati é feita com os noivos deitados numa esteira de folhas de buriti. Um ancião é escolhido para dizer algumas palavras e passar as orientações ao casal. Antigamente, o pai escolhia o marido para a filha. Hoje, essa tradição não é mais tão forte e as mulheres têm voz ativa nos relacionamentos.

Lideranças

Não há um tempo determinado para o mandato do cacique. Ele fica enquanto possuir condições e atender as demandas da população. A votação é realizada por meio de conselhos formados pelos anciões e os antigos caciques.

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056

Parte dos voluntários da EDS junto com representantes da tribo cricati

Se interessou e quer ajudar a ONG? Clique aqui para saber mais.

*O repórter viajou para acompanhar a expedição a convite da Pfizer, uma das empresas parceiras da EDS.

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